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Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Segunda-feira - 20-10-2003
Fortaleza - Ceará - Brasil
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DESCOBERTA DA VISÃO (PARTE II)
DETERMINAÇÃO VENCE OS LIMITES DA DEFICIÊNCIA
 


Luciana Franco
Da Editoria de Cidade

A cegueira ultrapassou as barreiras daqueles que acreditaram na sua capacidade e no seu dom, seja na profissão ou na maternidade. Os exemplos são inúmeros e, nesta segunda reportagem, mostraremos casos como o de Vandineide, que não podia ser mãe e adotou uma criança; de três irmãos cegos que dão um show de forró (cantando e tocando sanfona e violão); do radialista que foi aluno da Sociedade de Assistência aos Cegos e, hoje, volta como professor de rádio; do administrador que, após uma tentativa de assalto perdeu a visão

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VANDINEIDE DA Cunha, 34, nasceu com degeneração na retina. Mas,
foi através das limitações ue ela criou forças para vencer o mundo.
Atualmente é mãe adotiva da pequena Héllen, de oito meses, e telefonista
 do governo do Estato

     A vida foi severa com Vandineide Rodrigues da Cunha, 34, que nasceu com degeneração na retina. Mas, foi através das limitações que ela criou forças para vencer o mundo. Atualmente é mãe adotiva da pequena Héllen, de oito meses, telefonista do gabinete do governador Lúcio Alcântara, dona de casa e, quando sobra um tempinho, artesã. Seu maior desejo era poder desfrutar da natureza, mas se contenta em imaginá-la na sua mente. Natural de Limoeiro do Norte, Vandineide conta que até os seis anos vivia isolada de quase tudo, pois seus pais achavam que pessoas portadoras de deficiência visual não precisam estudar. Naquela época, atendimento médico nessa especialidade não existia. Somente quando veio morar em Fortaleza, na casa de uma tia, ela passou a ter acompanhamento adequado e freqüentar a escola. A 1ª Série, ela cursou aos 10 anos. As amigas se restringiam a duas, mais eram fiéis e ajudavam-na sempre nas disciplinas. Vandineide relembra da difícil adaptação na escola normal. Vencida essa etapa e com o diploma na mão do ensino Médio, investiu seu tempo em cursos profissionalizantes. Fez curso de telefonista, recepcionista, excelência no atendimento, bijuterias, artesanato e massoterapia.

     As pessoas que freqüentaram o Cambeba, nas gestões anteriores, com certeza já devem ter se deparado com Vandineide. É que ela, durante oito anos, trabalhou na Casa Militar. A oportunidade foi possível através de um convênio firmado entre o Governo do estado e a Sociedade de assistência aos Cegos. Para ficar com a vaga, ela teve que disputar com outras pessoas. No mandato de Lúcio Alcântara, se transferiu para o palácio Iracema. O ambiente novo ainda lhe traz algumas dificuldades de locomoção. Já no Cambeba, ela sequer utilizava a bengala, entrando e saindo pelas portas como se pudesse estar vendo cada ambiente.

     Certa vez, lembra Vandineide, um senhor pediu-lhe informação e, ao ver em sua mesa um texto em braille, perguntou quem era cego ali. Sem nenhum constrangimento, respondeu que era ela. Seus passos preciosos, seu par de olhos azuis e o jeito impecável de se vestir é capaz de deixar qualquer pessoa em dúvida sobre seu problema.

     Casa há três anos, a telefonista resolveu ser mãe. Como não pode dar a luz, resolveu adotar uma linda menina e ganhou total apoio do marido. Hoje, seu dia ficou mais agitado. Levanta às seis da manhã para preparar sozinha o mingau de Héllen.

RADIALISTA VENCE COM A VOZ AS BARREIRAS DA VIDA

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O RADIALISTA
José Walter da Silva, há 10 anos na
profissão, da aulas na Sociedade de Assistência aos Cegos

     Atenção ouvintes da rádio comunitária em Messejana, transmitida pela freqüência 102.1, a mensagem de otimismo que abre o programa “Nosso Espaço” é de uma pessoa que encontrou na voz a maneira de vencer as barreiras da vida. Trata-se do radialista José Walter Ferreira da Silva, há 10 anos na profissão, mas que já trabalhou como vendedor de automóveis, plano de saúde e ações de clube, além de dar aulas particulares de violão.

     José Walter nasceu vendo apenas vultos e, ainda criança, aos cinco anos não enxergava absolutamente nada. Ele tinha dois sonhos, ser advogado ou radialista, a fim de compensar a perda da visão. Nos estudos, concluiu apenas o Ensino Fundamental, tendo que superar as dificuldades trabalhando fora para ajudar em casa. Os pais já faleceram e o único irmão, mais velho, enxerga perfeitamente.

     Se hoje tivesse oportunidade de dar um colorido à vida, queria ver o mar. “Ainda não consigo descrever sua grandeza”, comentam acrescentando que procura ir sempre à praia para, pelo menos, ouvir o barulho das ondas se quebrando. “Sei que as ondas se levantam e depois se deslancham na beira da praia. Acho que no fundo do mar deve ter ondas”. O medo de avançar o mar sem conhecê-lo, faz com que ele apenas molhe o pé e caminhe lado a lado com o mar.

     Na Sociedade de Assistência aos Cegos, José Walter entrou aos 17 anos. Lá, teve a oportunidade de fazer aulas de Orientação e Mobilidade (OIM) e, hoje, volta como professor de rádio. No assunto do coração, ele disse que ainda guarda um novo e duradouro amor. “Quando se ama alguém, a pedra que recebe vira ouro. Do contrário, o ouro vira pedra”.

PAIXÃO PELA MÚSICA REGIONAL UNE IRMÃOS 

     Três irmãos com muitas coisas em comum. Vanda Lúcia da Costa (38), Valdeci da Costa (51) e Francisco Honório da Costa Filho (52) nasceram com deficiência visual e, na idade adulta, se uniram na música. Eles fazem parte da banda de forró Regional Asa Branca que, infelizmente, teve o único contrato com um restaurante da cidade rompido no sábado retrasado.

     Os homens, pelo fato de morarem muito tempo no Interior do Ceará, não tiveram oportunidade de estudar, nem mesmo o braille. Quando a família veio para Fortaleza, não havia vaga disponível na Sociedade de assistência aos Cegos. Somente Vanda conseguiu concluir o Ensino Médio. Aproveitou e fez curso de telefonista.

     Mas, com o passar dos anos, a paixão pela música falou mais alto. Vanda conta que os médicos acreditam que o problema deles é genético, embora tenham duas irmãs com visão norma, além dos pais. Ela chegou a realizar uma cirurgia nos olhos, o que possibilita, hoje, ver vultos.
 

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OS IRMÃOS
Vanda Lúcia, Valdeci e Francisco Honório,
nascidos com deficência visual, montaram uma banda de forró

     Francisco, mais conhecido como Chico, pensou até em abandonar o violão devido à separação com a mulher, com quem teve três filhos. Vanda foi quem o incentivou na carreira. Valdeci, bastante ativo, leva sua sanfona para tocar em frente às lojas do Centro da Cidade. Assim, vai ganhando seu dinheirinho. Quem quiser contratar a banda, deve ligar para 223.3641.

TENTATIVA DE ASSALTO MUDA VIDA DE GESSYVAN 

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GESSYVAN DE OLIVEIRA
perdeu a visão
durante a tentativa de assalto à madereira
de sua família

     Uma tentativa de assalto na estrada de Caucaia para Fortaleza, em fevereiro do ano passado, mudou completamente a história de Gessyvan Saraiva de Oliveira, 36 anos. Responsável pela parte burocrática na madeireira da família, ele teve que passar por um novo aprendizado (Dosvox) para, futuramente, voltar à atividade. Hoje, ele faz parte da estatística de portadores de deficiência visual.

     Os tiros que levou no lado esquerdo da cabeça afetou parte da massa encefálica, cuja memória vem sendo recuperada aos poucos. No dia do acidente, comenta ele, o atendimento foi demorado e teve que se deslocar para um segundo hospital. O médico que lhe atendeu disse que fixaria com outras seqüelas, mas, ele agradece a Deus por ter perdido apenas a visão.

     Em fase de aceitação da atual condição, Gessvan, que gostava de tomar uma cervejinha na companhia dos amigos, prefere hoje não frequentar os barzinhos. “Todos os lugares se tornaram difíceis e eu ainda tenho medo de levar uma topada e até cair num buraco”.

     Em casa ou nos passeios, a mãe virou seu guia. É ela, também, que o leva para as aulas de Orientação e Mobilidade (OIM) na Sociedade de Assistência aos Cegos.

Exemplos de Vida

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HOMEM COMPUTADOR
. Assim
ficou conhecido o radialista da
810 Verdinha, Paulo Rodrigues de
Souza, por sua memória invejável

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ARNALDO BEZERRA
. Sofreu
acidente com arma de fogo em
casa e ficou cego. Apoiado pela
mulher Adriana, supera as
limitações da vida.

COMO COMPORTAR-SE

     - No convívio com deficientes visuais, aja com naturalidade, pois eles apresentam as mesmas características de qualquer ser humano.
     - Se você andar com uma pessoa cega, deixe que ela segure em seu braço. Não a empurre: pelo movimento de seu corpo, ela saberá o que fazer.
     - Se você estiver com ela durante a refeição, pergunte se quer auxílio para cortar a carne, o frango ou para adoçar o café, explicando a posição dos alimentos no prato.
     - Se você for auxiliar a pessoa cega a atravessar a rua, pergunte-lhe se ela necessita de ajuda e, em caso positivo, atravesse-a em “linha reta”, se não ela poderá perder a orientação.
     - Se ela estiver sozinha, identifique-se sempre ao se aproximar. Nunca empregue brincadeiras como: advinha quem é?
     - Se você for orientá-la a sentar-se, coloque a mão da pessoa cega sobre o braço ou encosto da cadeira e ela será capaz de sentar-se facilmente.
     - Quando afastar-se da pessoa cega, avise-a para que ela não fique falando sozinha.


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