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Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Sexta-feira - 30-04-2010
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Faltam cães-guia para mais de 5 milhões de cegos no País


Portadores de

deficiência visual

enfrentam dificuldades

para trocar a bengala por

um cão-guia

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
LABRADORES DO PROJETO Cão-Guia,  de Brasília,
que forma seis animais por ano para uma lista de
mais  de 300 cegos

      Fortaleza. O sonho de muitos portadores de deficiência visual é substituir a bengala pela companhia de um cão-guia. Estima-se que no País existam mais de 5 milhões de pessoas com perda grande de visão, porém, apenas cerca de 70 animais treinados para auxiliar cegos. A coordenadora pedagógica do Instituto Hélio Góes, da Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC), Cássia Aquino, acredita que o número de deficientes visuais pode ser ainda maior, diante da falta de um censo oficial para contemplar também muitos moradores da zona rural que ficam à margem de serviços de atendimento médico e educacional. Assim, se considerar os números reais da população com este tipo de deficiência, a possibilidade de trocar a bengala por um cão treinado se torna ainda mais distante.

      No Ceará, ainda não há nenhum cão-guia. Se dependesse da vontade de muitos cegos, a realidade seria bem diferente. A portadora de deficiência visual, Sílvia Regina, 34 anos, aluna do 6º ano do Ensino Fundamental da SAC, acredita que sua vida poderia ser bem melhor se pudesse contar com a companhia de um cão para as atividades fora de casa. Casada há 8 meses, diz que é totalmente dependente do marido, Luís Antônio, e da mãe, Maria do Socorro, quando precisa enfrentar as ruas. Ela perdeu a visão aos 6 anos de idade, em decorrência de um glaucoma congênito, mas nunca conseguiu se adequar à bengala. "Tenho muita vontade de ter um cão-guia. Será mais fácil. Acredito que vou me tornar mais independente, terei acesso mais livre". Há três meses ela ganhou um cão da raça Labrador de uma amiga. A "Mila", como se chama o animal, já está com um ano. Há três semanas, a estudante manteve contato por e-mail com o Projeto Cão-Guia, em Brasília, na tentativa de tornar a sua amiguinha de quatro patas um cão-guia. Porém, o treinamento de um cachorro para o tipo de trabalho é bem mais complexo. Não é um simples adestramento para comandos.

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A ESTUDANTE SÍLVIA Regina e a Labradora Mila.
Seu sonho é poder contar com um gão-guia treinado

      A coordenadora do Projeto Cão-Guia, Michele Pöttker, explica que o processo de formação do animal para o trabalho de acompanhar pessoas com deficiência visual começa antes do nascimento dos filhotes, já na seleção dos pais. Como principal ação da ONG Instituto de Integração Social e Promoção da Cidadania (Integra), o projeto, iniciado em 2001, já formou 35 cães-guia, doados para o público-alvo nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Norte e no Distrito Federal.

      O custo para formar o animal fica em torno de R$ 25 mil. Porém, o projeto faz questão de doar para os cegos o cão, considerando que a grande maioria dos portadores da deficiência no País é de baixa renda. Mais de 300 pessoas estão na fila de espera da ONG. Mas, há um ano, a entidade não está aceitando efetivar novas inscrições, só recebendo as solicitações por e-mail para futuros contatos. Diante dos altos custos para manutenção do trabalho, o projeto passa por dificuldades financeiras. Ainda assim, está formando cerca de seis cães-guia por ano, mesmo tendo estrutura física e de pessoal para doar até 20 animais por ano. Meta só possível de realizar se houvesse mais incentivo financeiro.

      Segundo Michele Pöttker, as parcerias com empresas privadas e instituições públicas são a garantia da continuidade do trabalho até agora. Os parceiros são o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, que cede militares para o trabalho de instrutores e treinadores; a Premier Pet, na doação de rações para os animais; a Bayer, que fornece a medicação veterinária; a Clínica Diagnopet, na realização de exames por imagem; e o Hospital Veterinário da Universidade de Brasília (UnB), para assistência clínica e cirúrgica.

      O Projeto Cão-Guia é a única escola do País que prepara o animal desde o nascimento até a entrega aos cegos. O plantel é formado por 91 animais da raça Labrador, todos com pedigree (certificado de raça pura), sendo seis matrizes e três padreadores, entre os reprodutores, 31 filhotes em trabalho de socialização, dez em treinamento específico, 35 já convivendo com os cegos e o restante em avaliações gerais. Os cães já doados continuam de propriedade da ONG, que mantém um rigoroso trabalho de acompanhamento, no que se refere à nutrição, atendimento veterinário e avaliação comportamental.

      As vantagens de um cão-guia para o cego são inúmeras. A professora de Orientação e Mobilidade da SAC, Juliana Duran, afirma que a companhia do animal dá mais independência e segurança para os portadores de deficiência visual, não só diante de obstáculos superiores, como orelhões, árvores e placas nas calçadas, como no chão, em casos de buracos e poças d´água.

Fique por dentro
Campanha nacional

      "Seja amigo do cão-guia" é a campanha lançada pela ONG Integra para captar recursos financeiros para o Projeto Cão-Guia em Brasília. A pessoa interessada em apoiar a ação, entra em contato pelo e-mail caoguiadf@gmail.com para definição de um boleto mensal que viabiliza depósito na conta corrente 41225-2, do Banco do Brasil, agência 1004-9, em nome do Instituto de Integração Social e Promoção da Cidadania (Integra). O valor mínimo de colaboração é R$ 10,00. O Projeto Cão-Guia tem uma fila de espera de mais de 300 cegos, mas só está entregando cerca de seis animais por ano. Tem estrutura para formar até 20 cães, dependendo do apoio financeiro.

ETAPAS DA FORMAÇÃO
Rigor na seleção do plantel

      Fortaleza. A coordenadora do Projeto Cão-Guia, Michele Pöttker, diz que diferentes raças são apropriadas para a formação, com destaque para Labrador, Golden Retriever e Pastor Alemão. Porém, o projeto dá preferência aos Labradores para facilitar o trabalho de seleção e preparação dos mais apropriados em seu plantel.

      O trabalho consiste em seis etapas. Na primeira, o filhote de dois meses é avaliado quanto ao perfil, que observa aspectos como se é mais dominante ou submisso, se é equilibrado, disposto, sem traço de agressividade.

      Uma vez aprovado nesta fase, o animal passa à segunda etapa, quando é entregue para uma família voluntária que se compromete com o trabalho de socialização do cão, seguindo as orientações da ONG. O projeto dá toda a assistência à família: ração, atendimento veterinário e suporte técnico, uma vez que o cão não estará sendo preparado para ser um animal doméstico, mas sim de trabalho com educação para socialização. Durante dez meses, até quando o cãozinho chegará ao primeiro ano de vida, ele deverá experimentar, junto à família, todas as situações de um convívio social. Seguindo uma rotina diária, deverá frequentar ambientes tais como restaurantes, shoppings, cinema, faculdade, ruas, praças, para aprender a se comportar de forma tranquila e educada em todos esses lugares. Na terceira etapa, a ONG recolhe todos os animais para testes de estrutura clínica e de perfil. A raça Labrador tem predisposição para desenvolver displasia coxofemoral, daí ser necessário um eficiente trabalho preventivo contra a doença. Nos testes clínicos, são feitos essa prevenção, bem como exames oftalmológicos, cardiológicos, um check-up na saúde do animal. No teste de perfil, vários aspectos são considerados, tais como medo, dominância, agressividade, equilíbrio, interação com seres humanos. Aprovado nesta etapa, o animal vai para a fase seguinte. O treinamento específico para cão-guia acontece na quarta etapa da formação, por um período que pode durar de seis meses a um ano, dependendo da aptidão do animal. No fase seguinte, a ONG chama o cego para participar dos trabalhos de adaptação com o novo amigo de quatro patas. Michele Pöttker explica que, se tem cinco cães prontos para o trabalho, são selecionados três portadores de deficiência visual, de forma a ter uma margem para selecionar a melhor dupla. "Nesta fase, identificamos a melhor sintonia da equipe de trabalho, a dupla entre o ser humano e o cão", explica Michele. Esta etapa pode durar de 15 a 25 dias. A pessoa se hospeda na sede do projeto em Brasília, para aprender a conviver com o futuro companheiro.

      Na etapa final, o instrutor da ONG acompanha a nova dupla até a cidade de origem da pessoa. Por uma semana, serão dadas todas as instruções necessárias à nova vida junto ao cão.

MAIS INFORMAÇÕES
      Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC), Fortaleza (CE), (85) 3281.6111; Projeto Cão-Guia: (61) 3345.5585/ caoguiadf@gmail.com

Valéria Feitosa
Editora do Regional


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