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Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Domingo - 06-04-2014
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Memória
Bezerra de Menezes ainda mantém casarões residenciais


História da avenida tem famílias de classe média buscando seu lugar, cercadas de verde, religiosidade e lazer

Kelly Garcia
Repórter

Foto do Jornal Diário do Nordeste
A capela de São Francisco de Paula, no
número 2590, é a primeira edificação
da Avenida Bezerra de Menezes e
é datada de 1865

      Engarrafamento, barulho e trânsito intenso. Quem passa pela Av. Bezerra de Menezes hoje, certamente se incomoda com alguns desses itens. Entretanto, o que a maioria não sabe é que essa é uma das vias que mais teve fatos históricos, com a presença de autoridades, como governadores, prefeitos e até presidente da República, na época o general Humberto Castello Branco, em Fortaleza.

      A avenida corta quatro bairros: Otávio Bonfim, Monte Castelo, São Gerardo e Parquelândia. Começa na esquina com a Rua Padre Ibiapina e termina no cruzamento com a Rua Humberto Monte. Eminentemente comercial, apesar de muitos estabelecimentos terem fechado após a implantação do corredor exclusivo para ônibus, a Av. Bezerra de Menezes guarda, escondida, entre prédios de apartamentos e comércios, a sua primeira edificação, datada de 1865.

      É a capela de São Francisco de Paula, no número 2590, bem ao lado de um banco. De acordo com o pesquisador Nirez, a igrejinha foi construída por conta de uma promessa. "A capela foi erigida na vila Góis, a pedido de Antônio Francisco Góes e sua esposa Angelina de Castro Góes, cumprindo a promessa, por nenhum membro de sua família ter morrido quando grassou o cólera", conta.

      Mais tarde, 63 anos depois, em 1928, a capela ganhou uma reforma, com reinauguração e missa celebrada pelo padre capelão José Barbosa Magalhães. Segundo Nirez, a reforma e ampliação foi feita por Braz de Francesco Ângelo, que foi cônsul da Itália no Ceará e nomeia a rua mais próxima à igreja, no cruzamento com a Av. Bezerra de Menezes.

      No atual terreno da Secretaria de Agricultura do Estado, a família Albano construiu a sua morada, a chácara Nous Autres. "Em 30 de maio de 1933, o Governo Estadual adquiriu por 140 contos de réis a chácara Nous Autres, na Av. Bezerra de Menezes, 1820, Alagadiço, para demolir e construir o prédio da Diretoria Geral da Agricultura. Um ano antes, o local sediaria o Grupo Escolar do Alagadiço, sob a direção da professora Iclécia de Sousa Brasil", afirma.

      Data da mesma década outra edificação bastante antiga, que permanece de pé: a Igreja de Nossa Senhora das Dores. Sua construção foi concluída em pouco mais de um ano. Inauguração aconteceu em 13 de junho de 1930. Já a igreja de São Gerardo teve sua pedra inaugural lançada em 1950.

      Nos anos 1940, ainda existiam outras duas capelas, a de Nossa Senhora Auxiliadora, dentro da casa de saúde São Gerardo, hoje um hospital psiquiátrico, e a de Santo Expedito, no quartel da Força Policial do Ceará. Nas proximidades da via, também funcionavam três dos principais Centros Espíritas da capital. "Em 1950, eram fundados, em Fortaleza, o Centro Espírita Aurora Redentora, no Coqueirinho (Parquelândia), Paulo e Estêvão, na rua Padre Antonino, 453, e João Evangelista, na própria Bezerra de Menezes".

Cinemas

      Além das igrejas e centros espíritas, a via ainda contava com dois cinemas: o Cine Familiar, nas dependências da Igreja de Nossa Senhora das Dores e o Cine Nazaré, ainda em funcionamento, adquirido pela empresa Luiz Severiano Ribeiro, que o fechou em 1954, na rua Padre Graça, próximo à Igreja do Otávio Bonfim.

      O ex-senador e ex-governador do Ceará, Lúcio Alcântara, residiu na Av. Bezerra de Menezes durante toda a sua infância e adolescência, entre as décadas de 1940 e 1960. "Nasci em uma casa na esquina da rua 24 de maio e Av. Duque de Caxias, mas com três meses passamos a morar na Av. Bezerra de Menezes. Era uma avenida muito larga, arborizada, com vários ficus benjamins antigos em seu canteiro central. Lá, tínhamos vários parentes que moravam próximo, além de opções de lazer, como os cinemas, as sessões de filmes no antigo CPOR, uma vez por semana e os muitos campos de futebol que ficavam atrás da Avenida. Vizinho à fábrica Siqueira Gurgel, também tinha quadra de futebol de salão, pela empresa ter um time, o Usina".

      Lúcio Alcântara relata que a família só saiu da Av. Bezerra de Menezes quando o trânsito se tornou mais intenso. "Meu pai, Waldemar Alcântara, gostava de colocar as cadeiras na área, para conversar com os vizinhos. Quando esse hábito não pôde mais ser continuado, ele se mudou, em 1977, para o bairro Pio XII, onde está a sede da fundação Waldemar Alcântara. Hoje, a nossa casa segue praticamente inalterada e ocupada por uma associação de assistência aos surdos", destaca.

      Próximo à casa que pertenceu ao médico, ex-senador e ex-governador do Ceará, Waldemar Alcântara, está outro prédio importante para a história da via, o Instituto dos Cegos, instituição que ajudou a fundar. Edificação com estilo eclético e um pouco parecido com o dos casarões do Benfica e do Jacarecanga pelo adorno em ferro que complementa a sua fachada, passou a ser sede da entidade em 1942.

Chácaras

      No seu interior, além do piso de madeira, característico das casas do início do século XX, um porão com dimensões maiores que o próprio interior da casa chamam a atenção de quem visita. As mangueiras do terreno também são parecidas com as encontradas na reitoria da UFC, no Benfica, com troncos grossos, testemunhas do tempo em que a via era ocupada por chácaras.

Foto do Jornal Diário do Nordeste
Edificação com estilo eclético passou a ser sede do
Instituto dos Cegos em 1942

      De acordo com a presidente do Instituto dos Cegos, Josélia Almeida, a casa praticamente não foi modificada. "Essa casa é uma das mais bonitas dessa região e uma das características dela é um amplo porão, que utilizamos por muito tempo para aulas. Contudo, o lençol freático subiu muito, o que tornou impossível o uso", disse.

      Funcionária do Instituto desde 1961, Josélia não sabe a quem pertenceu a casa antes de ser comprada pela união, em 1942. "Tudo o que sabemos é que a casa pertencia à Legião Brasileira de Assistência (LBA), antes disso não sabemos quem era o proprietário. Imaginamos que deve ter sido alguém importante, pelo tamanho da casa e também por suas características", acredita.

      A instalação da hoje Escola de Ensino Profissionalizante Presidente Roosevelt também remonta a década de 1940. "Foi de lá que partiram os soldados da borracha, para trabalhar nos seringais da Amazônia, em 1943, 1944. Nesse tempo, aquele ainda era um Grupo Escolar", acrescenta Nirez. Segundo o Diário Oficial do Estado do Ceará, o Grupo Escolar do Alagadiço foi fundado na Vila Nous Autres, em março de 1929.

Via é um dos principais acessos a cidades vizinhas

      Segundo o historiador Álbio Sales, a Av. Bezerra de Menezes permanece como um dos principais acessos de Fortaleza para os municípios vizinhos. "No início do século, a zona urbana de Fortaleza terminava no fim da atual Bezerra de Menezes, ali próximo a Faculdade de Agronomia. O Barro Vermelho, atual Antônio Bezerra, era zona rural. Aquele era também o principal acesso para Caucaia".

      Já a configuração como corredor comercial da via só se deu a partir dos anos 1970. "Somente a partir das décadas de 1970 e 1980 que o centro vai deixar de ser a única área de comércio. Na mesma época em que a Av. Bezerra de Menezes passa a ter sua identidade alterada, de residencial para comercial, acontece o mesmo no Montese, com a Av. Gomes de Matos e com a Aldeota, com a construção do primeiro shopping de Fortaleza, o Center Um", explica.

      Hoje, a Avenida está voltando a se tornar residencial. "Com a implantação do corredor exclusivo para ônibus, muitos estabelecimentos comerciais fecharam", disse Álbio Sales.

      Essa proximidade com a Zona Metropolitana foi um dos fatores que atraiu a família de Waldemar Alcântara para a Bezerra de Menezes. No livro Jeito de Ser, Jeito de Morar, publicado pela Fundação Waldemar Alcântara em 2011, Lúcia Alcântara explica o porquê de a família ter escolhido a via para morar.


A partir de 1970, a Bezerra de Menezes se
tornou corredor comercial. Agora, por conta
das faixas exclusivas de ônibus, o aspecto
residencial está voltando

      "Acho que tinha muito a ver com a facilidade de saída para nossa cidade de origem, que é São Gonçalo do Amarante. Foi o que decerto atraiu outros parentes, que não eram necessariamente todos de São Gonçalo, mas de municípios também situados na mesma rota a partir de Fortaleza", diz.

SAIBA MAIS

1865 - Inaugurada a Capela de São Francisco de Paula.

1929 - Inaugurado o Grupo Escolar do Alagadiço, na antiga Villa Nous Autres, da família Albano.

1933 - Governo do Estado adquire a Ville Nous Autres para a construção da Diretoria Geral de Agricultura.

1942 - Fundação da Sociedade de Assistência aos Cegos.

1943 - Criado o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva.

1950 - Pedra fundamental da nova Igreja de São Gerardo.

1959 - Iniciado o alargamento da Avenida Bezerra de Menezes.

1965 - Chega a Fortaleza, a energia da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso. Solenidade aconteceu, na Praça dos Libertadores, com a presença do então presidente da República, general Castelo Branco.

1966 - Inaugurada, pelo prefeito, general Murilo Borges Moreira, a Avenida Bezerra de Menezes, unindo a Praça Paula Pessoa (São Sebastião) à Avenida Mister Hull.


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