Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Quinta-feira - 30-05-1985
Fortaleza - Ceará - Brasil
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Dezesseis deficientes esperam doação de olhos


    Você estaria disposto a doar, depois de morto, as córneas de seus olhos a um deficiente visual? A pergunta repetida exaustivamente pela reportagem a muitas pessoas que se movimentavam ontem pelas ruas da cidade, decorre do quase esvaziamento da campanha encetada pelo “Banco de Olhos do Ceará” desde 1981.
    Somente no Instituto dos Cegos, há muitos anos, 16 pessoas esperando pelas doações.
    As pessoas ouvidas de princípio apoiam as doações; No entanto, vacilam quanto uma possível reação negativa por parte dos parentes. Mas a campanha vai ser reforçada. Ontem à noite, no Ideal Clube, com a presença do cantor Fagner, o Instituto dos Cegos lançou o movimento no sentido de angariar fundos para manter de conscientização da população que pode pedir informações ou fazer doações através dos telefones 223-0863 ou 223-0111.
    O presidente do Instituto dos Cegos, Waldo Pessoas, com apoio do Rotary Clube Praia, através de seu presidente Edmilson Alves, lembra que para a coleta da córnea e sua conservação com antibiótico em geladeira comum se gasta cerca de Cr$ 150 mil. As doações podem ser feitas em vida ou em “post-mortem”, neste caso com autorização da família.
    Feliciano de Carvalho, secretário da Segurança, que também participa da campanha sugere que a assistente social do Instituto Médico Legal ( IML ) trabalhe para conscientizar as famílias dos mortos “quanto à grandeza da doação de córnea, após a morte”. Feliciano de Carvalho salienta que mesmo depois do doador em ceder às córneas, quando de sua morte, as famílias ficam tão chocadas que nem se lembram de providenciar a autorização do transplante.

DEPOIMENTOS

    “Acho a doação perfeitamente normal e até ficaria satisfeito em proporcionar a visão de uma pessoa cega”. A revelação é do motorista do táxi TH-0764 Francisco Nogueira, 37 anos. Segundo ele, a campanha do Instituto dos Cegos é das mais louváveis. Ele afirma que a medida, “que em nada vai alterar a condição do doador falecido”, deve ser incentivada, compreendida e aceita. Perguntando se sua família, aceitaria sua decisão, Francisco Nogueira pareceu indeciso: “Acredito que minha família não faria nenhuma objeção”, comenta.

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE

"A doação é uma coisa normal
dignificante e que honra
qualquer pessoa"


Antônio Galdêncio, balconista

    Todas as pessoas ouvidas apoiam a campanha encetada pelo Instituto dos Cegos, elogiam a pretensão, apresentam fórmulas, mas intimamente, demonstram que - devido às famílias - talvez não sejam doadores. Foi o que ocorreu com o balconista Antônio Galdêncio da Silva, 20 anos, casado, residente na Praia do Futuro.
    No interior da Multilanches, Antônio demonstra interesse no assunto e confirma: “Estou disposto a doar minhas córneas depois de morto”. A doação, segundo ele, é uma coisa normal, dignificante e que honra qualquer pessoa, diz Antônio Galdêncio. Quanto à autorização de sua família ele demonstra insegurança. Mesmo assim ele arrisca: “Acho que lá em casa eles iam compreender e aceitariam”.

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE

“Sou capaz de doar minhas
córneas. Para realizar essa
ação, assino uma declaração”


Vânia Maria, estudante

    Na Praia do Náutico, contemplando as belezas do mar, a estudante Vânia Maria Ferreira, residente na rua Padre Guerra, Parquelândia, afirma ser capaz de doar suas córneas. “Para realizar esta bela ação - que não me custaria nada, já que estava morta - sou capaz de assinar uma declaração autorizando o transplante”, diz ela. “Só não sei se minha família vai aceitar ou não”, acrescenta.

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE

“A doação é algo sublime, estou
pronta a doar minhas córneas
a qualquer deficiente”


Cristiane Pena, administradora

    A paulista Cristiana Caséllia Pena, que atualmente passa férias em Fortaleza, acha normal a doação . Tanto é que seu avô, depois de falecido teve suas córneas doadas. Cristiana, formada em Adimnistração, diz que a população deve se conscientizar de “algo sublime que é a doação”. Pessoalmente ela se julga pronta a ceder suas córneas a qualquer deficiente visual.

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE

“Não se concebe que ainda
existam 16 pessoas esperando
doações para enxergar”


Wellington, PM do 5º. Batalhão

    O PM Francisco Wellington Alves da Silva, da Primeira Companhia do 5º BPM, demonstra maior segurança em seu depoimento. Solteiro, 22 anos, ele se diz disposto a doar suas córneas. Só faz uma ressalva: que seja depois de morto. Segundo ele, “não se concebe que diante de tantas mortes ainda existam 16 pessoas esperando na fila para poder ganhar a visão”. E acrescenta: “Minha mãe é uma mulher caridosa e certamente vai permitir que minhas córneas, mesmo depois da morte, volte a contemplar as belezas da natureza e o desprendimento de alguns homens”.


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