Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
Quarta-feira - 21-02-1996
Fortaleza - Ceará - Brasil
Os "foliões" do trabalho vão à luta e não dormem em serviço


Muita gente "dá duro" nos dias de carnaval

      Para a maioria das pessoas carnaval ou é sinônimo de muita folia ou então um período ideal para o descanso em companhia da família e dos amigos. Entretanto, existe um pequeno grupo que não pode dispor de nenhuma destas opções. São os "foliões do trabalho", aqueles que passam o período momino labutando para que os outros possam desfrutar de um carnaval tranqüilo.
      São garçons, bombeiros, motoristas, telefonistas, vigilantes, garis, médicos, funcionários públicos, policiais, comissários de bordo, pessoas que trabalham para manter o funcionamento dos serviços básicos, garantindo o acesso da população. O garçom Ribamar Souza é um exemplo típico. Há doze anos ele labuta durante o carnaval, mas não parece gostar muito. "Só em estar trabalhando enquanto todos se divertem, não é muito bom. Só venho mesmo para cumprir ordens. Mas o nosso trabalho é imprevisível, tanto pode compensar financeiramente, como não" .
Já o vigilante. Aurélio Viana não se incomoda em esta tralhando em plena folia momina. Na profissão há vinte anos, ele explica que sempre trabalhou no carnaval e já está acostumado. "Minha esposa é como eu, também não gosta desta coisa de pular carnaval e aí dá certo. E neste tipo de trabalho não existe feriado nem domingo, a gente trabalha dia sim, dia não e pronto".
      E se tem uma coisa que não pode faltar no carnaval é algo chamado gelo. O entregador de gelo Azarias Rocha que o diga. Muito interessado em passar todo o período momino em Aracati, onde moram seus pais, ele teve que se contentar em aproveitar apenas o último dia na animada cidade praiana. Isto porque a fábrica de gelo onde trabalha, funcionou em meio expediente durante todo o carnaval e só deu pra tirar folga na terça­feira. "Mesmo assim, ainda brinco um dia", dizia animado.
      Outra que está acostumada a trabalhar durante a folia carnavalesca é a assistente social do Instituto José Frota, Ernestina Vieira. Seu trabalho, de suma importância, consiste em atender os familiares dos pacientes internados no IJF, além dos próprio pacientes, é claro. "Fico fazendo o contato com a família, funcionando como um elo de ligação entre os familiares e o paciente. Meu trabalho é tentar administrar os conflitos socais entre eles".
      Segundo a assistente social quem trabalha em hospital não tem domingo e nem feriado e no carnaval não seria diferente. "Desde que entrei no IJF sempre trabalhei neste período e já não me importo".

Médico dá plantão alheio ao carnaval


      Era domingo de carnaval, mas isto pouco importava para o médico Waldo Pessoa. Oftalmologista renomado, ele se dizia indiferente à folia momina enquanto se preparava para retirar as córneas de um jovem, que havia falecido no Instituto José Frota. "Estou de plantão durante todo o carnaval e nos últimos três dias já retirei quatro córneas".
     Atento ao trabalho, o médico explicou que a retirada era uma operação rápida, mas que o transplante não podia ser feito em seguida. "E preciso esperar uns cinco dias para o implante porque o órgão passa antes por todo um processo de preparação", observou, acrescentando que há dezessete anos faz este trabalho. Segundo ele, existem hoje cerca de 600 pessoas inscritas no Banco de Olhos aguardando uma doação de córneas para recuperar a visão.
     Para Waldo Pessoa, é preciso conscientizar a sociedade sobre a importância da doação de órgãos, um ato de solidariedade que está ao alcance de qualquer um. Na sua opinião, o Estado não pode interferir nesta questão, pois a doação é algo que depende apenas da boa vontade de cada individuo.

Foto do Jornal DIÁRIO DO NORDESTE
No domingo de carnaval, o médico Waldo Pessoa,
retira as cóneas de um jovem para uma das 600
pessoas inscritas no Banco de Olhos: ato de solidariedade

O Garis mantiveram limpeza na avenida

      E enquanto muita gente ainda relutava em deixar a folia, um grupo de garis começava seu trabalho de limpeza na avenida Beira Mar. Durante todo o carnaval eles "bateram o ponto" às 5 horas e de vassoura em punho iam empurrando seus carrinhos, recolhendo o lixo deixado na passagem dos brincantes.
     Trabalhando há um ano como gari, Raimundo Alves da Silva dizia que não era ruim trabalhar no carnaval porque um "dinheirinho" a mais sempre é bom, mesmo que não seja muito. "Estamos ganhando R$ 10,00 a mais para trabalhar na terça-feira e só".
     Morador do Castelo Encantado, ele explicou que o único problema foi o horário de início do trabalho porque pra chegar às 5 noras, .é preciso sair de casa às 4 da manhã. e nesta hora não tem ônibus no seu bairro. "Aí eu venho. a pé com um colega. Dá medo descer o morro ainda escuro, mas Deus ajuda".
     Indagado a respeito de algum objeto de valor encontrado no lixo, o gari foi enfático. "Nunca achei nada que prestasse, nem um .relógio velho.Dinheiro, muito menos. O máxima que a gente acha é R$ 0,50 ou então R$ 1,00 só se for por sorte".

Nota de esclarecimento:
O Médico Waldo Pessoa é Presidente da Sociedade de Assistência aos Cegos - SAC.


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