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Jornal O POVO
Sábado - 22-05-2004

Fortaleza - Ceará - Brasil
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Religiosos fazendo história


     Nomes como dom Helder Câmara, em Pernambuco, e dom Paulo Evaristo Arns, em São Paulo, entraram para a historiografia oficial como os principais representantes da Igreja em defesa dos perseguidos políticos do regime militar no Brasil. No Ceará, alguns exerceram papel semelhante, uns de mérito reconhecido, outros nem tanto.

     ''Dom Aloísio (Lorscheider) foi um grande homem em ajudar os perseguidos, condição equiparada a de dom Helder. Dom (Antonio) Fragoso também foi um grande homem'', cita Giovanni Sabóia de Castro, ele mesmo um dos padres citados por presos políticos como exemplo de acolhimento.

     Antes de vir ser arcebispo em Fortaleza, em agosto de 1973, dom Aloisio já tinha começado a fazer história contra as arbitrariedades do regime. Para escrever o livro A Ditadura Escancarada, o jornalista Elio Gaspari descobriu que, em setembro de 1969, dom Aloisio, na época com 45 anos e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), determinou ao advogado Cândido Mendes que reunisse os depoimentos de torturas praticadas nas prisões. Cândido já havia dado início a esse trabalho em 1968, mas por iniciativa própria e do grupo de advogados que coordenava.

     No Ceará, dom Aloisio viveu momentos sob a vigilância policial. O padre Moacir Cordeiro Leite lembra que certa vez, quando o arcebispo passou 11 dias em Aratuba, policiais federais ficaram de prontidão em frente à casa paroquial e gravavam o que era dito nos sermões. ''Tínhamos o apoio de dom Delgado, mas principalmente de dom Fragoso. Com dom Aloisio, começou a modificar. Ele apoiava bem a gente''.

     ''No começo, a Igreja, através do episcopado, não estava muito consciente. Alguns bispos é que viram numa atitude profética que o caminho não era ter o poder tirando a liberdade das pessoas. Dom Helder foi o primeiro que começou a levantar o questionamento, já em 1964, 1965'', relembra José Maria Cavalcante Costa, também representante do clero que apoiava os ''subversivos''.

     Logo no começo do regime autoritário, o primeiro religioso diretamente atingido pelo regime no Ceará foi Archimedes Bruno, que havia inclusive sido capelão da PM e, no Rio de Janeiro, da Academia Militar das Agulhas Negras. Ele foi preso em 1964 por causa da participação política em defesa das reformas de base.

     Archimedes morreu em 2002, aos 90 anos, na França, onde se exilou, deixou a batina e se casou com uma francesa. Quem conviveu com ele ressalta a inteligência, a humildade e a caridade que o caracterizavam. No Ceará, foi um dos fundadores da Sociedade de Assistência aos Cegos, da qual foi o primeiro presidente em 1942, e batalhou pela fundação do Instituto do Câncer. Ensinou no Colégio Estadual do Liceu do Ceará e na Universidade Federal do Ceará (UFC).

     Considerado o maior orador sacro do Ceará e de orientação claramente socialista, chegou a pensar em se candidatar ao Senado em 1962 com grandes chances de se eleger. Os dotes intelectuais o levaram a compor a equipe de governo de João Goulart. Quando os militares tomaram o poder, não demorou muito para ser preso. Estava tirando uma sesta na casa do irmão, o médico ortopedista Roberto Bruno, onde morava, quando chegaram os militares.

     Archimedes foi levado para o 23º Batalhão de Caçadores e depois de 15 dias, sob intermediação do arcebispo dom José Delgado, ficou recluso mais um mês no Palácio Arquiepiscopal. Depois veio a liberdade vigiada. Não podia deixar Fortaleza até que um telefonema à meia-noite ordenava que ele pegasse o avião que iria rumo ao Sudeste às 4 horas da madrugada. De lá iria para fora do País e só voltaria em 1981.


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