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Jornal O POVO
Sábado
- 22-09-2007

Fortaleza - Ceará - Brasil
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ACESSIBILIDADE
O desafio de andar pela cidade


Portadores de deficiência são cidadãos como quaisquer outros. A cidade deles tem discutido formas de integrar mais essas pessoas e lhes fornecer mais qualidade de vida. Só que essa mesma Fortaleza está longe de ser acessível aos moradores que possuem limitações para se locomover. Para perceber, basta um passeio com gente como seu José Alfredo

      Os "olhos" de seu Alfredo se dobram e desdobram em cinco partes. Acompanham-no a cada passo. Tateiam o mundo ao seu redor e o traduzem em uma imagem. "Eu enxergo na minha mente", diz o senhor de 65 anos, enquanto conduz a bengala retrátil. Ele detesta quando se esbarra em algum desavisado que esbraveja: "É cego, é?". Sim, Alfredo é completamente cego, há seis anos. "Tá vendo essa bengala, não?", costuma responder o senhor, já de saco cheio. No entanto, o que mais o incomoda em seus passeios e afazeres diários pelas ruas da cidade são as "pedras" no meio do caminho. E são muitas. José Alfredo Sousa - "muitos" filhos e 10 netos - é mais um portador de deficiência física que não encontra espaço na cidade. A mesma Fortaleza que impõe dificuldades até mesmo a quem não enfrenta o menor problema de locomoção.
      Neste domingo, a capital cearense encerra a Semana da Mobilidade Urbana 2007, que tem buscado formas de integrar os deficientes na vida da cidade. Pegando o mote, O POVO resolveu percorrer Fortaleza por algumas horas com um desses protagonistas. O escolhido foi seu Alfredo, um deficiente visual "desenrolado" e "fofinho" - é assim que as mulheres se referem a ele, brinca o próprio. Esses "predicados" o auxiliam na hora do aperreio. Quase todo mundo lhe oferece o braço e a companhia para ultrapassar um obstáculo.
      Pouco mais de quatro horas de passeio a pé e de ônibus, no entanto, foram suficientes para asseverar: a cidade ainda não está acessível e nem oferece qualidade de vida para pessoas com deficiência. Manhã e início de tarde da última sexta-feira, 21. A equipe do O POVO encontra-se com seu Alfredo quase na porta da casa dele, no bairro Ellery. O roteiro, ele quem escolhe. "Vamos primeiro visitar meu amigo Raimundo lá no Castelão. A gente encontra ele na churrascaria do Juarez".
      Das 9h às 13 horas, tempo e percurso suficientes para identificar o que mais atrapalha a vida de quem possui limitações. Destaque-se: seu Alfredo passeia quase diariamente. Enfrenta, muitas vezes sozinho, a rotina de viagens aos terminais de integração. Assiste a três aulas semanais na Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC), conhecida como Instituto dos Cegos. Visita os amigos. Caminha à toa nas redondezas. É fácil? "É fácil nada! É muito ruim andar nessas calçadas daqui! É muito perigoso pra gente. São altos e baixos, é buraco em todo canto".

      À beira da pista
      Ele anda "pela beira da pista", disputando espaço com os veículos. Mas diz saber que é "perigoso". Não tem jeito. O idoso que se encoraja a viajar sozinho até para visitar um dos filhos nas proximidades de Brasília diz preferir essa rotina de obstáculos a ficar "em casa deitado". Aprendeu no Instituto. O caminho até o ônibus, na rua Olavo Bilac, ainda no bairro onde mora, Alfredo sabe de cor. Mesmo assim, desvia de buracos, desníveis e barras de ferro fincadas nas calçadas. "Sabe de que eu tenho medo também, minha filha? Desses trilhos que o povo enfia nas calçadas. Teve um dia que eu ia tacando minha cabeça num bicho desse. Tenho que andar devargazinho e com muito cuidado".
      Em cada pedaço do passeio com seu Alfredo, novos depoimentos de "companheiros" conquistados por alguns momentos. Na rua, nos ônibus, nos terminais. A professora aposentada, Luíza Pinheiro, 72, possui apenas 40% da visão no olho esquerdo. E nada mais. "É difícil demais andar pelas calçadas", diz ao colega recém-apresentado a ela. Antônia Cesário, 49, ouve a conversa de longe, dentro do ônibus. Por um problema congênito, teve uma amputação no pé direito. "Pra mim, faltam rampas. Não vejo quase em lugar nenhum". É assim a Fortaleza de Alfredo, de Luíza, de Antônia e de outros tantos.


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