Jornal O POVO
Domingo - 19-06-1977
Fortaleza - Ceará - Brasil
O BRASIL ESTÁ CADA VEZ MAIS CEGO


Foto do Jornal O POVO  

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Dr. Francisco Waldo

    O Brasil está ficando cada vez mais cego - possui de 450 a 500 mil pessoas com problemas na vista que as impossibilita de desfrutar muitas das ofertas do mercado de trabalho - e o Nordeste, por deficiência e nutrição e saneamento básico, é a região mais afetada pela cegueira. Embora seja deveras difícil apresentar dados estatísticas oficiais, o Dr. Leiria de Andrade Jr., Presidente da Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira, contesta os números divulgados por um jornal carioca: o pais teria 62 mil cegos.
    Na verdade o coeficiente é de 450 cegos para cada 100 mil habitantes. - dz o Dr. Leria. - Temos, em todo o território brasileiro, de 450 a 500 mil cegos. E o oftalmologista, ao rechaçar a afirmativa do periódico, recebe o apoio de outro especialista cearense, o Dr. Francisco Waldo, Diretor Geral do Instituto dos Cegos Hélio Goés Ferreira.
    A Campanha Nacional de Prevenção à Cegueira deveria ter realizado uma "Semana Nacional", tentando assim conscientizar a população para os problemas decorrentes das deficiências da visão, "mas, infelizmente, não foi possível. O Ministério da Saúde, provavelmente tendo em vista os problemas prioritários, para atendimento a curto prazo, não teve ainda condições de nos fornecer a verba necessária", esclarece o Dr. Leiria. Embora desenvolvendo um esforço para superar os limitados recursos próprios, o Instituto dos Cegos Hélio Goés Ferreira já realiza em Fortaleza, com o apoio da Legião Brasileira de Assistência e Bem-Estar do INPS um trabalho de caráter preventivo.

CONCLUSÕES DO CONGRESSO

    O Governo e a sociedade, de uma forma geral, desconhecem praticamente a problemática da cegueira e chegam até a se esquecer da existência do cego. Foi esta a conclusão final a que chegaram os participantes do I Congresso Paulista sobre Problemas da Cegueira, realizado no auditório da Federação e Centro do     Comércio do Estado de São Paulo, promovido pela Confederação Paulista de Entidades para Cegos, com o apoio da Secretaria de Saúde do Estado.
    Os médicos criticaram as autoridades sanitárias por não terem desenvolvido ainda uma política nacional de prevenção e controle da cegueira. Justificaram a crítica argumentando que é muito mais difícil desenvolver qualquer programa na área da visão, onde se exige o diagnóstico e o tratamento de caso por caso, do que o controle de qualquer epidemia ou endemia, quando um  diagnóstico básico possibilita um mesmo tratamento para toda uma comunidade.
    Para o diretor do Serviço de Oftalmologia  Sanitária da Secretaria de Saúde de São Paulo, Osvaldo Gallotti, presidente do I Congresso Paulista sobre Problemas da Cegueira, o índice de cegueira no Brasil não é elevado, muito menos alarmante. "Na Arábia Saudita, por exemplo, a proporção é de 3 mil cegos por 100 mil habitantes". O Dr. Leiria de Andrade cita outras regiões, a "India, Paquistão, África, onde a alta de higiene e a má alimentação elevam o índice geral das doenças. Lembra as doenças transmissíveis por falta e limpeza como o tracoma. os problemas decorrentes da ausência de vitamina "A", e retorna ao Brasil para discordar de Gallotti, seu assistente na Campanha. "A quantidade de cegos, em território nacional, aumenta de maneira desproporcional". - Mesmo porque, continua o Dr. Leiria, o problema tem duas faces. Assim como as deficiências de nutrição, a hiperalimentação também pode levar a cegueira. E cita o diabete glaucoma.

O BRASIL FAZ POUCO

    Em termos de conscientização da população, nada foi feito no Brasil. Com respeito ao trabalho preventivo, o Dr. Leiria recorda "um esboço de prevenção, fundamentado na escola pública". Em São Paulo são realizados exames periódico nas crianças e cadastradas as que apresentam deficiências visuais. O médico encarregado do setor trabalha ao lado de um grupo de professoras especialmente treinadas. Cientes de que a baixa visão produz baixa escolaridade estão atentos a situações das classes, aos brinquedos e outros fatores que possam produzir maior ou menor aproveitamento. Quadro estatístico facilita o acompanhamento. "No Ceará só conheço em atuação o Instituto dos Cegos", destaca Leiria de Andrade.

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Dr. Leiria de Andrade Jr.


    O Instituto dos Cegos o Hélio Goés Ferreira, mantido pela Sociedade de Assistência aos Cegos, foi fundado, no dia 19 de setembro de 1943, pelo médico que ofertou toda a sua vida a instituição e hoje lhe dá o nome. Um ano antes participara da fundação, no dia 2 de agosto, da Sociedade Beneficente dos Cegos. Conhecido como o"milionário das cataratas", começou a operar num tempo em que "se abria o olho do cliente com uma faquinha", e, quando completou vinte e cinco anos de ofício levou para um Congresso de Oftalmologia um relatório muito discutido, registrando 1.118 operações de cataratas. Trabalhou sozinho no Instituto de 1942 a 1967 e faleceu a 18 de maio do ano passado.
    Foi no ano de 1967 que o Dr. Francisco Waldo passou a Dirigir o Instituto dos Cegos. Trabalhava ao lado do Dr. Hélio Góes assim com o "milionário das cataratas" havia sido discípulo e mais tarde assistente do Dr. Moura Brasil. Auxiliado pelo presidente José Bezerra de Arruda e o diretor administrativo Jack Shawmam, o Dr. Waldo e sua equipe citam fatos e mostram gráficos para provar, visível orgulho, os resultados conseguidos nos últimos anos.
    - Queremos provar a nós mesmos e a comunidade que o trabalho iniciado pelo Dr. Hélia Góes, preventivo assistencial, não sofreu problemas de continuidade. Hoje temos um hospital moderno, equipado com tudo o que há de melhor e oferecemos orientação educacional, médica, psicológica e dentária.
    O Instituto dos Ceqos Hélio Góes Ferreira é mantido com recursos próprios oriundos da renda do hospital, do aluguel de doze casas, na Bezerra de Menezes e Padre Anchieta, além de um estacionamento rotativo próximo a sede central dos Correios e Telegrafos. Mantem convênios com o Bem-Estar, do INPS a Legião Brasileira de Assistência.

AMBULATÓRIO DE PREVENÇÃO

    No Ambulatório de Prevenção a Cegueira - Preventório Claudio Martins - o Dr. Waldo atende quatro ou cinco pessoas, diariamente. Há também o setor confiado a uma assistente social, sempre atento a existência de cegos desamparados. Depois de fazer uma exposição ao Secretário de Educação, enfatizando a necessidade do trabalho de prevenção a cegueira no âmbito escolar, o diretor geral do Instituto dos Cegos firmou convênio verbal com o Serviço de Educação Especial da Secretaria de Educação.Criado quando era governador do Estado, César Cals de Oliveira.
    Ao atender 4.064 pessoas, entre o final de 1974 e o princípio do ano passado, ficou constatado que 927 escolares não estavam conseguindo o nível mínimo exigido de aprendizado, em virtude de problemas de visão. Devidamente orientados foram encaminhados da seguinte maneira: 665 ao Instituto Nacional de Previdência Social; 26 ao Ipase: 46 ao Ipec.; 10 ao Ipm: 7 a Sociedade dos Merceeiros e 123 ao Instituto dos Cegos, onde eram ofertados, gratuitamente, os óculos. "Acompanhamos de perto o desempenho posterior de nossas crianças - esclarece Dr. Waldo - e os resultados foram amplamente compensadores".

MERCADO DE TRABALHO

    O grupo de assistentes sociais, sociólogos, psicólogos, advogados trabalhistas e universitários debateu, de forma mais demorada no congresso realizado em São Paulo, o tema "Mercado de Trabalho e Legislação Trabalhista e Previdenciaria". No documento básico elaborado sobre o assunto, os participantes pregam a necessidade de desenvolver uma política voltada à máxima integração possível do cego na comunidade, o que "nada mais é do que a garantia do exercício do elementar direito humano de desenvolvimento' da própria personalidade a que todos fazemos jus". Destacam ainda os congressistas a necessidade do Governo exigir na base de leis especificas a análise ocupacional do trabalho, para definir o tipo de atividade e o número de tarefas que os cegos e os excepcionais de uma forma geral podem desenvolver normalmente, a nível competitivo. O relatório do Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego, referente a 1972-1973, relaciona 186 profissões diferentes que um cego, pode exercer bem. Apesar do leque de oportunidades, cada vez mais sofisticado, não há otimismo nas palavras do Dr. Leiria que analisa a situação a partir dos características atuais do mercado de trabalho do país. "No Brasil existe mão-de-obra sobrante e só depois de empregar o sadio, o cego é requisitado. Para que possa competir em igualdades de condições ­continua o presidente da Campanha Nacional de Prevenção a Cegueira - é preciso que seja reeducado. Observe que a reeducação visual do cego exige equipamento, escolas e professores especializados e não dispomos de dinheiro para tanto. Tudo o que temos nesse sentido é o Instituto Benjamin Constant e, em Juiz de Fora, a Casa do Cego. No Ceará, o Instituto dos Cegos".
    Em São Paulo, os primeiros serviços de treinamento profissional e colocação de cegos começaram há 24 anos: tanto o serviço de adaptação profissional de cegos, no Senai, como o Departaento de Reabilitação e Colocação Profissional, da Fundação do Livro do Cego no Brasil foram fundados em 1953. Na terapia ocupacional são descobertas as capacidades inexploradas ou prejudicadas pela eficiência visual: os cegos prendem a tocar instrumentos ou a se dedicar a artes manuais. Durante de um período bem longo. Existem ainda os departamentos de fisioterapia, mobilidade, atividades da vida diária e comunicações onde aprendem a leitura e a. escrita em Braille, com máquinas de escrever comuns, máquinas Braille, sorobã japonês e a assinatura do nome em escrita comum.

OS RESULTADOS NO CEARÁ

    São surpreendentes e animadores, segundo o diretor geral do Instituto dos Cegos, os resultados até agora obtidos. Existem cegos trabalhando na montagem de fogões nas indústrias Tecnorte ­ Esmaltec, também em uma empresa de beneficiamento de estope e em algumas fábricas de Fortaleza, no setor de embalagens.

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Trabalhando com embalagens
o cego apresenta elevada
produtividade

    Pedro Irismar de Alencar, aluno da Faculdade de Filosofia, onde faz o curso de História, é lembrado com um exemplo. Chegou ao Instituto dos Cegos em 1974, com vinte e dois anos, fora portanto da faixa etária tida como ideal para o aprendizado. Foi aceito por insistência do Dr. Waldo e no final do ano tirava primeiro lugar no Supletivo de 1o. grau. No ano seguinte, também fazia, com sucesso, os exames referentes ao nível colegial. Por fim, no princípio de 1977 passou no vestibular. O outro universitário residente no Instituto é Elano Gino de Oliveira, estudante de Comunicação Social.
    Nos centros maiores, como São Paulo, já estão sendo realizados cursos para programadores de computadores. Domingos Sessa Neto e Márcio José Quedim, os cegos fundadores do Instituto Brasileiro de Incentivos Fiscais, desejam integrar aqueles que não enxergam nas atividades normais da comunidade, fornecendo ao exigente mercado de processamento de dados profissionais cegos de elevada competência, capazes de superar as suas limitações e os problemas da complexa técnica dos computadores. A favor dos que não conseguem ver algumas vantagens: elevado poder de mentalização e concentração, grande criatividade, boa memória e excelente raciocínio lógico.


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