DONALDO BEZERRA DE LIMA


    APRESENTAÇÃO

    Eu sou Donaldo Bezerra de Lima, portador de Retinose Pigmentar. Gostaria de fazer um histórico sobre a minha vida para você com o objetivo primordial de trazer-lhe alguma luz que venha iluminar sua caminhada nessa jornada árdua e que muitas vezes parece que não vamos conseguir alcançar a luz no final do túnel.

Foto de Donaldo Bezerra de Lima

    Espero que essa narrativa possa ser útil muito especialmente para você que sofre por causa de uma patologia que a Medicina não apresenta uma solução para o problema. E por causa disso muitas pessoas sofrem. Vamos aos fatos:

    MINHA INFÂNCIA

    Tudo começou quando bebê ainda brincava com bolinhas e minha mãozinha não conseguia encontrar a bolinha. Minha mão rastreava e não conseguia pegar o brinquedo - disse minha mãe. Mas parecia tudo tão bem. Quem poderia imaginar que uma criança tão bonita poderia ter um problema grave que afetaria tanto a vida em todos seus parâmetros. Minha mãe notou o caso, mas não o deu importância.

    E os anos se passaram até chegar a uma certa idade em que todas crianças brincam com as outras, correm e se divertem. Foi então que vi a diferença que existia entre mim e as outras crianças: Eu não podia correr normalmente, brincar de noite correndo porque faltava o recurso visual para à noite. Eu não conseguia ver nada durante a noite com quatro anos de idade. Senti que era diferente dos outros.

    Com sete anos fui à escola pertinho de casa. Como a sala era escura, não deu para fazer nada. A professora disse que eu tinha que ir ao oculista. Foi uma tristeza muito grande porque o que mais queria era estudar. Fiquei três dias sem poder olhar a luz da lamparina(não havia energia elétrica na época).

    Minha mãe me levou ao Oftalmologista com sete anos para a minha primeira consulta. Foi com o Doutor Afrânio . Ele disse que eu tinha miopia e passou alguns remédios à base de Vitamina A e os óculos. A visão melhorou um pouco permitindo uma certa visão para aprender os primeiros rabiscos.

    MINHA IDA À ESCOLA

    Fui à escola somente com sete anos de idade. Ficava com muita inveja dos coleguinhas que podiam estudar e eu não tinha esse prazer. Somente com sete anos pude ir à escola. Achei muito interessante estar ali, porque sabia que finalmente poderia estudar. Mas meus sonhos foram frustrados porque não tinha como enxergar no quadro-de-giz. Mesmo assim, permaneci durante todo ano na escola sem poder fazer as atividades. No final do ano, fui reprovado para minha tristeza. Quando fazia o percurso para minha casa, chorava bastante e as lágrimas molhavam as provas que atestavam a minha incapacidade. No ano seguinte, fiquei mais esperto. Sempre ficava na primeira cadeira para poder enxergar melhor. Para isso, tinha que chegar primeiro na escola e disputar as primeiras cadeiras da frente. Consegui grandes resultados , fazendo a minha primeira série. Na escola ficava sempre nos cantos isolados, porque minha mãe dizia que eu tinha que ser bem comportado e também porque eu poderia esbarrar em alguém e quebrar os óculos. Bem, pelo menos, fui sempre um aluno muito comportado. As professoras elogiavam com frequência o meu modo de ser. Quando aprendi a ler, passei a me viciar em revistas em quadrinhos. Como eu não podia correr, mas podia ler a vontade, passava horas e horas lendo revistas infantis como Tio Patinhas, Tio Donald e outros. Como eu não podia fazer outras coisas, forçava demasiadamente meus olhos lendo o dia todo, com isso, agravava mais ainda o quadro da doença. Mas eu não ligava para isso. O que eu queria mesmo era me divertir. Foram momentos maravilhosos.

    Fui crescendo e a vida continuava a mesma: Sempre com medo das pessoas porque poderiam me criticar por causa da visão. Ficava muito triste quando alguém me chamava de "Cego Aderaldo". Que nome desagradável. Chorava de tristeza quando alguém me chamava de cego.

    MINHA ADOLESCÊNCIA

    Se na infância já tinha muitas crises emocionais, imagine na adolescência. Cada vez mais me isolava das pessoas porque temia que elas poderiam me magoar de alguma maneira, tocando na parte mais sensível: A minha cegueira . Não conseguia namorar porque achava que não seria aceito por causa da cegueira. As minhas emoções se agravaram dia-a-dia, afetando meu relacionamento com meus familiares. Tinha muitos choques com minha mãe que exigia que eu não batesse nos móveis quando andasse dentro de casa. Foi sugerido então que me levassem a um prostíbulo. Eu já tinha dezoito anos e talvez fosse a falta de mulher. Meu pai me levou ao local para aliviar as "cargas negativas". Foi um fracasso. Eu me sentia pior emocionalmente, pois agora achava que não era homem porque não tinha conseguido me relacionar com a prostituta. Que situação lastimável. Além de cego, também não era homem. Mas sabia que não era a verdade. Ninguém conseguia entender que eu tinha um problema de visão e que estava se agravando.

    Consegui terminar meu Segundo Grau e tentei também Vestibular para Administração de Empresas. Foi um fracasso. Minha mãe dizia que eu não seria nunca nada na vida. Seria sempre um fracassado. Tentei então o emprego para provar que poderia ser alguma coisa na vida. Meu primeiro emprego foi num escritório de Departamento Pessoal de uma  Construtora. Não fui aprovado por causa da visão. Mais uma vez os olhos eram a causa de minha infelicidade. Pensei na morte. Perguntei onde estava a morte. Porque ela não me levava. Pensei em ficar na linha do trem quando este passasse, mas não tive coragem. Imaginei outros métodos menos dolorosos. Não tive coragem.

    ERGUENDO-SE DA LAMA

    Verifiquei que a minha vida aos vinte e quatro anos não tinha sentido algum. Eu precisava de uma solução urgente. Precisava morrer com urgência e meus familiares não poderiam saber onde meu corpo poderia estar. Foi daí que resolvi viajar para um lugar longínquo. Fui para Rondônia. Lá não poderiam ver o que estaria fazendo. Comprei a passagem e fui primeiramente para Brasília e depois seguiria caminho pegando outros transportes. Meu pai foi me deixar na rodoviária João Tomé em Fortaleza. Tomei o ônibus às vinte horas. Minha mãe me deu um psicotrópico para vencer as emoções. Ao embarcar no veiculo não senti nenhuma emoção. Foi tudo muito tranquilo. Meu pai dizia que ao chegar em Brasília, sentiria vontade de voltar para casa. Não senti nada disso. O que eu queria mesmo era ir para bem longe.

    MEU ENCONTRO COM A LUZ

    Na minha viagem para o destino final, encontrei uma pessoa interessante. Era uma pessoa religiosa, pastor de uma igreja em Brasília, que tinha vindo realizar um trabalho missionário em Ji-Paraná. E por coincidência, nos conhecemos no ônibus que já estava chegando à cidade de Ji-Paraná em Rondônia. O pastor Mariano passou a me falar sobre os rudimentos básicos da fé. Achei muito interessante as palavras do pastor, mas não adotei os princípios do Cristianismo para a minha vida porque não achava conviniente no momento. No entanto as suas palavras ficaram gravadas no meu coração.

    Cheguei à cidade de Ji-Paraná às duas horas da manhã. Não sentia medo algum. O pastor foi me deixar na casa de um amigo com todo carinho o que me estranhou muito aquela atitude do pastor. Eu nunca tinha visto tanta amabilidade. Mas depois disso, na casa desse amigo, resolvi que deveria viajar para Costa Marques, uma cidade próxima à Bolívia. Esse amigo disse que lá havia muita malária e que geralmente as pessoas que iam para lá contraiam a doença. Local muito aprazível - disse eu. Passei uma semana em Costa Marques e não contraí a tal malária. Estando sozinho na selva, tive momentos belíssimos para fazer uma longa reflexão. Resolvi que deveria mudar a minha vida e tomei uma decisão que deveria seguir a Cristo. Na selva mesmo, sendo picado de mosquitos sanguinários, permiti que Cristo comandasse o meu viver.

    Abreviando os fatos , comecei a experimentar as minhas primeiras vitórias. Hoje tenho o meu trabalho, tenho a minha própria casa, minha esposa, minha filha que imaginava que nunca podia ter. Enfim, consegui conquistar o meu espaço. Conheci a SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS em 1997, quando aprendi a nova escrita Braille e daí abriram-se novos horizontes. Sinto-me muito bem hoje, tranquilo, muito satisfeito com a situação em que vivo. Resumindo: ADORO SER CEGO!


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