SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 101-104


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ESMERALDINO, O HOMEM
DOS SETE INSTRUMENTOS

     A expressão popular “homem dos sete instrumentos” se adequa, literalmente, a José Esmeraldino de Vasconcelos, proeminente figura da comunidade cega do Ceará, com projeção nacional. Com efeito, dono de extraordinário pendor musical, Esmeraldino era um virtuose no piano, no violino, na gaita, bandolim, pandeiro, flauta, realejo, xilofone, serrote e no piano de garrafas. Dez ao todo, mais do que os sete da definição do povo para o homem de múltiplas habilidades.
     Talvez seja ainda pouco para dimensionar todo o talento desse sobralense invulgar que chegou a Fortaleza, em 1940, com sua mulher, em busca de trabalho digno para demonstrar toda a sua capacidade. Não teria talvez encontrado essa oportunidade, não fora o contato que procurou e manteve com o Dr. Hélio Góes, que o atendeu, em princípio, como cliente no seu consultório oftalmológico. Pouco depois, ao criar o Instituto dos Cegos, então conhecido como Casa dos Cegos, Dr. Hélio abrigou Esmeraldino e esposa em suas dependências. E foi aí que o cego sobralense pôde mostrar a plenitude de sua força criativa.
     Logo se impunha no seio do grupo, vindo a tornar-se professor de crianças e adultos deficientes como ele, mas despojados de conhecimentos.
     Professor Esmeraldino Vasconcelos tornou-se figura emblemática da instituição, um colaborador inestimável do hercúleo trabalho desenvolvido por Hélio Góes e seus companheiros de ideal nos primeiros tempos de luta em favor da causa dos cegos no Ceará.

Esmeraldinho Vasconcelos
Esmeraldinho Vasconcelos

 

POETA E ESCRITOR

     José Esmeraldino de Vasconcelos não restringia seu talento ao campo musical. Mostrava-se, igualmente, um brilhante escritor, em prosa e verso.
     Como contista, se consagraria nacionalmente ao conquistar, em 1949, o 1º lugar no Concurso Literário promovido pela “Fundação para o Livro do Cego no Brasil”, com o conto “O Diamante da Ilha”. Este trabalho literário foi inserido na revista “Relevo”, publicação destinada ao mundo dos deficientes visuais, em sua edição de março de 1950.
     A pedido de Hélio Góes, compôs música e letra do Hino do Instituto dos Cegos, uma obra aclamada por sua beleza por quantos já tiveram ocasião de ouvi-la.
     Poeta primoroso, versejava fácil, deixando de herança vários livros de poesia, ao lado de outros de contos e crônicas, numa demonstração inequívoca de seu valor literário.
     Extremamente religioso, puro em seu relacionamento com os semelhantes, seu ideal de vida poderia ser resumido nesta sua quadrinha tocante:

     “Da Prática da Justiça

     Para o mundo, é bom ser grande,
     Mas, pra Deus, não serve, não;
     Para Deus, só será grande,
     Quem servir ao seu irmão”

     Dentro dessa filosofia, pautou seu comportamento existencial sem um desvio sequer, entregando-se com total devoção ao mister de contribuir no processo de integração social do cego, a partir do seu Instituto. Em todos os momentos festivos, despontava como figura de proa, declamando poesias, executando músicas suas ou de outros autores, nos muitos instrumentos que dominava.
     Francisco Tupynambá, recentemente falecido, seu conterrâneo de Sobral, inseriu num dos números do folhetim diário que, durante anos, circulou internamente no Instituto dos Cegos, estes versos do bardo conterrâneo, uma lição de vida e otimismo para seus irmãos de infortúnio:

     “A ANSIOSA SOLICITUDE PELA VIDA

     Por isso, recomendo:
     Evitai ansiedades;
     Deus sabe o que está fazendo,
     Nas vossas necessidades

     Olhai as aves do céu,
     Não colhem, nem têm celeiros;
     Embora vivendo ao léu,
     Têm direito ao mundo inteiro

     Olhai os lírios que crescem
     No seio da natureza;
     Não fiam, também não tecem
     E ostentam tanta beleza

     Nem o grande Salomão,
     Com toda sua opulência,
     Em nenhuma ocasião,
     Trajou com tanta decência

     Se Deus veste assim a erva,
     A vencer tão pouca idade,
     Que é que ao homem não reserva
     Através da eternidade?

     Portanto, as necessidades:
     Vestir, comer e beber,
     Revelam as qualidades
     De quem, com Deus, quer viver”

O PLANADOR DO ESMERALDINO

     Autodidata, Esmeraldino Vasconcelos acumulou conhecimentos variados em muitos campos. Todavia, ignora-se que tenha folheado algum compêndio de Física. E aí se abre uma grande interrogação: como concebeu e construiu, com as próprias mãos, um planador (avião sem motor), de reduzidas dimensões, que ele fazia alçar vôo nas comemorações do Instituto dos Cegos arrancando os aplausos de um público que acompanhava perplexo as acrobacias do aviãozinho do cego.
     É um mistério essa incursão de Esmeraldino na área da aerodinâmica, em mais uma prova do seu formidável e multiforme talento.

DEPOIMENTO VALIOSO

     A professora Rutilene Maria de Sousa, Coordenadora do Curso Pedagógico do Instituto dos Cegos, guarda um precioso documento escrito por seu desaparecido esposo, Francisco Tupynambá, que é um dos poucos referenciais encontrados sobre a obra e a personalidade desse grande nome da comunidade cega do Ceará.
     No jornalzinho do Instituto, edição de 27 de outubro de 1999, o professor Tupynanbá dizia, entre outras coisas, do seu ilustre amigo e parente:
     “Para falar do professor Esmeraldino seriam necessárias páginas e páginas; então, vou resumir - poeta com muitos livros publicados, exímio músico, autor do Hino do Instituto dos Cegos Dr. Hélio Góes Ferreira, era antes e acima de tudo um homem íntegro e religioso. Poderia até dizer que não compactuava com o mundo atual.”
     De fato, o temperamento artístico, o profundo sentimento místico que o animava, o seu amor à paz e a vontade de ajudar o próximo não se conciliariam mesmo com os desmandos, o egoísmo e a violência que caracterizam os dias presentes.
     Pobre e honrado, legou com sua imagem um exemplo vigoroso de homem de bem, que se impôs pela inteligência e pela dignidade.

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