SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 29-32


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INTRODUÇÃO

LUMINOSA TRAJETÓRIA

     Àqueles nascidos sem a luz dos olhos se abriam basicamente duas alternativas apenas: mendigar ou permanecer confinados em casa como seres inúteis. Para as famílias pobres, um cego chegava a representar a garantia de uma renda capaz de ajudar na manutenção de todos. Já nas classes economicamente mais afortunadas, a presença de um deficiente visual era recebida como um peso morto, a par de um problema aparentemente insolúvel.
     Esta a real situação dos desprovidos do sentido da visão na Fortaleza daqueles distantes anos quarenta. Nas esquinas, nas portas das igrejas, por toda parte podia-se escutar o cantochão: “uma esmola pro ceguinho, pelo amor de Deus”. E o tilintar do níquel na bacia indicava o gesto de generosidade de alguém a comover-se com a desdita alheia. “Deus lhe pague e lhe dê sempre a visão”, saía do pedinte o agradecimento.
     Centenas de cegos entregavam-se à mendicância por absoluta falta de opções, naqueles tempos. Mas, alguns poucos encontravam outros caminhos, explorando talentos de que a natureza os dotara, embora privando-os da capacidade de ver as cores do mundo. E aí surgiam os cegos cantadores de viola, de que Aderaldo e Sinfronio foram exemplos marcantes entre nós. Cegos poetas, cegos professores, pianistas, sanfoneiros despontavam aqui e ali como uma evidência de que a ausência de um dos sentidos não seria suficiente para condenar todo o conjunto de valores que o ser humano abriga.
     O conhecimento de que a história da humanidade reunia um vasto número de cegos geniais, e a vontade de realizar algo em prol desses deficientes, estimularam um grupo de pessoas a criar uma instituição destinada a encarar a questão da cegueira sob ângulos diferenciados daquele que a sociedade de então conhecia e aceitava. Foi assim que surgiu há precisos sessenta anos, em 1942, a Sociedade de Assistência aos Cegos.
     A denominação parecia dar à entidade um caráter meramente filantrópico, entendida a palavra assistência como o objetivo único de amparar o cego em sua incapacidade de locomover-se, de trabalhar, de ganhar, por seus próprios esforços, a sua vida.
     Na verdade, esta era uma das preocupações primordiais dos idealizadores da sociedade. Retirar os cegos daquela humilhante condição de mendigo, a estirar a mão à caridade para obter o seu sustento.
     Lendo-se, porém, os estatutos da Sociedade de Assistência aos Cegos, aprovados naquela histórica reunião de 02 de agosto de 1942, logo se observa que não eram tão exíguos os limites da sua proposta. Assistir significava muito mais do que amparar ou abrigar, querendo dizer que se propunha a revisionar profundamente o entendimento social a respeito dos deficientes visuais. O cego, antes de tudo, seria concebido como uma pessoa privada tão-somente de um dos sentidos, porém portadora de muitas qualificações que, devidamente aproveitadas, a encaminhariam para projetos de relevante significação não apenas para si, mas para a sociedade como um todo.
     Dentro desse enfoque ditado pela razão, os pioneiros do trabalho anteviram as grandiosas metas que poderiam perfeitamente ser alcançadas. No campo médico, a prevenção da cegueira e a recuperação da visão; no campo psicológico, a integração do cego no contexto, sem a timidez e até a vergonha de não ser como os outros; no educacional e no profissional, dando-lhe embasamento para o exercício de atividades econômica e financeiramente válidas e em posição de igualdade com todas as demais pessoas.
     A trajetória destes 60 anos de existência da Sociedade de Assistência aos Cegos comprova que seus fundadores não eram simples visionários. Muito ao contrário, eram homens que, para cuidar de um problema visual, conseguiam ver muito à frente, muito mais do que a maioria dos que se consideram imunes de deficiências, algumas mesmo insuperáveis.
     A SAC não era, nem o é, uma obra de sonhadores. Idealistas, mas com determinação e equilíbrio, buscando incessantemente levar a cabo os projetos delineados. Hoje, auto-sustentável e estabilizada, a SAC não se julga todavia concluída. Novos planos estão traçados. A visão do futuro se alarga à medida que o tempo avança.
     Muitos e enormes foram os obstáculos a transpor. A incompreensão de alguns, inclusive de quantos, gestores da coisa pública, estavam na obrigação de participar da tarefa; a indiferença de outros, a mentalidade fatalista e conservadora vigente quando dos seus primórdios, nada disso arrefeceu o ânimo dos fundadores desta Casa.
     Aqui, na abertura deste trabalho destinado a registrar a sua luminosa caminhada de seis décadas, evocar os seus nomes é uma forma de agradecimento de todos os que se beneficiam desta instituição, como também uma fonte de inspiração e de estímulo aos que têm sobre os ombros a responsabilidade de mantê-la e fazê-la cada vez maior e mais útil.
     Vamos, com apoio na ata da sessão de sua fundação, enumerar aqueles que a plantaram no coração do povo de nossa terra, produzindo os frutos que os cearenses colhem a cada dia.
     A maioria deles já seguiu para outras paragens do Senhor, mas todos estão vivos, mais do que nunca, na lembrança e na gratidão de todos nós. Alguns ainda se conservam até hoje e são o testemunho dessa bela prova de capacitação do homem cearense.

Blanchard Girão

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