SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 140-144


Volta para a capa do livro Sumário Página anterior Próxima página

PATATIVA – ADEUS

Patativa, nosso maior poeta popular
Patativa, nosso maior poeta popular

     Antônio Gonçalves da Silva, o mais famoso poeta popular brasileiro, não seria um "poeta cego", como Aderaldo, Sinfrônio, Esmeraldino e tantos mais. Mas cegou já adulto, quando sua poesia conquistara fama, inclusive porque ele foi um cantor da natureza deslumbrante da região em que nasceu, o Cariri cearense. Seus olhos, por muitos anos, se encantaram com a serrania, as matas, a plumagem dos pássaros, fontes de inspiração para sua alma de artista. Porém, perdeu a luz dos olhos, que tentou recuperar, bastante idoso, conseguindo parcialmente o sucesso através de transplante de uma córnea. Certo dia, no Palácio da Abolição, voltando de São Paulo com a alegria de novamente poder enxergar, recitou para Violeta Arraes e outras pessoas, entre as quais se incluía o autor destas linhas, um tocante poema de gratidão ao doador da córnea que restabeleceu a sua visão. Infelizmente, Patativa não deixou escrita aquela peça da mais simples e bela poesia, que se perdeu com o tempo, a exemplo de grande parte da imensa produção de seu estro.
     Anos mais tarde, o olho recuperado também perdeu o brilho e Patativa do Assaré viveu os últimos anos de sua existência, até morrer em 9 de julho deste ano de 2002, aos 93 anos de idade, inteiramente cego.
     Não há como avaliar se a sua obra poética foi maior quando vidente, ou mais sentida e profunda, quando já não possuía o sentido da visão. Mais certo é se afirmar que foi uma obra nascida do âmago de um homem de poucas letras, dotado porém de um imensurável poder de criação artística, de uma incomum capacidade de ver, com ou sem os olhos, tudo o que de belo a mãe-natureza oferta ao homem.

     Em seu louvor, este registro apressado, feito quando os originais deste livro já se encontravam em composição gráfica, fechando este texto com alguns versos seus nos quais, aludindo à sua condição de cego, dizia não haver perdido a força de expressão:      

     "Com 90 anos de idade
     Já não vejo a claridade
     Que meu guia sempre vê
     Porém me sinto ditoso
     Com este título honroso
     Que veio pra me reviver

     Faltam visão e audição
     Mas não falta expressão
     Pra falar do que percebo
     Na minha simples linguagem
     Agradeço a homenagem
     Carinhosa que recebo."

     Patativa recitou estes versos na solenidade em que a Universidade Federal do Ceará lhe outorgava o título de "Doutor Honoris Causa". Título idêntico lhe concederam a Universidade Rural do Cariri – Urca e a Universidade Estadual do Ceará, o que valeu da parte do poeta esta risonha e talentosa referência:

     "Com a minha timidez
     Julgando, por minha vez,
     Fico até encabulado
     Um poeta agricultor
     Com três títulos de Doutor
     Sem nunca ter estudado."

     Da sua produção de poeta cego, recolhemos do livro "Patativa e Outros Poetas do Assaré", editado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, este poema enternecedor:

     "O Poeta Patativa e a
     Sariema de Totelina"
     Totelina, minha amiga
     É preciso que eu lhe diga
     Do que estou gozando aqui
     Vale mais do que o cinema
     O canto da Sariema
     Que você possui aqui
     Logo que amanhece o dia
     Procuro, com alegria,
     No ouvido colocar
     Meu aparelho auditivo
     Para escutar, compassivo,
     A sariema cantar

     No meu viver de poeta
     Minha alegria é completa
     Quando ela cantando está.
     Sinto com muito carinho
     Que estou vendo um pedacinho
     Do sertão do Ceará"

     Conclui o poema assim:      

     "Para os versos terminar
     Vou a verdade afirmar
     Nesta terra de Iracema:
     Todos três merecem viva!
     O poeta Patativa,
     Totelina e a sariema".

     Antônio Gonçalves da Silva, nosso imortal Patativa do Assaré, se insere num numeroso clã familiar de poetas, dentre os quais me refiro, neste livro, a Pedro Irismar, seu sobrinho, um deficiente que galgou posição no seio da comunidade cega do Ceará pela força de seu talento e vigor de sua determinação em superar a deficiência visual. Hoje, é professor especializado no ensino de cegos em Fortaleza.

Volta para a capa do livro Sumário Página anterior Próxima página

Volta página principal

Maiores informações:

envie Mail para Webmaster da SAC