SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 210-212

"ACEITAMOS USADOS"

     Ao longo destes vinte e seis anos do Banco dos Olhos do Ceará centenas de cegos voltaram a ver. A emoção que se apossa de alguém depois de recuperar a vista é algo difícil de se traduzir em palavras. Mas o mais bonito é que se trata de uma emoção compartilhada entre o receptor e a família de doador.
     "Meu filho continua no mundo, vendo com seus próprios olhos, ofertados a outra pessoa, o que de mais belo a natureza proporciona" – dizia a mãe de um jovem que teve a vida ceifada num acidente de automóvel em Fortaleza.
     Essa consciência de que o doador continua presente na vida de quem se fez depositário de seus olhos, ou de qualquer outro órgão (o coração, os rins, etc) anima os propagadores dos movimentos pelas doações e a confiança de que se multiplique, com o tempo, o número dessas pessoas decididas a praticar esse gesto emocionante de solidariedade.
     Uma das campanhas que encontrou melhor receptividade no seio da nossa gente foi a encimada pela frase de grande poder de convencimento, contida nessa mensagem sugestiva: "Aceitamos Usados". Usados, sim, mas de quanta validade!
     Os olhos cansados de um ancião, a vista frágil de um míope, os olhos quase sem brilho de alguém atacado pela catarata, serão a cascata luminosa que abrirá ao deficiente visual as cores da vida, o azul do céu, o verde do mar, os tons violáceos de um pôr-do-sol.
     Doar, dissílabo decisivo para o destino de quem sonha, dia e noite, com a possibilidade de voltar a enxergar.
     Ninguém pode ficar indiferente a essa realidade. Inscrever-se como doador potencial, deixar expressa, com a família, essa sua derradeira vontade, testamento de amor ao próximo, que servirá de chave para abrir-lhe as portas do mundo reservado aos justos.
     "Aceitamos usados", o seu coração, os seus rins, o seu fígado e, em especial, os seus olhos, dentre todos os órgãos do corpo humano os que apresentam o mais baixo índice de rejeição ao serem transferidos para outro portador.
     "A partir de agora meus olhos poderão ser seus" – completava a mensagem da Campanha de Doação de Olhos há pouco tempo promovida pela Sociedade de Assistência aos Cegos e Instituto de Cegos Dr. Hélio Góes Ferreira.
     Não é possível ignorar o drama existencial de mais de mil criaturas que se empenham ansiosamente na luta pelo direito de ver.
     A Ciência criou as condições essenciais; cabe a cada um a atitude cristã de doar em vida os seus olhos para que outros possam tê-los após sua morte.    

SEM BUROCRACIA

     Não há maior dificuldade burocrática para se tornar um doador de córneas. O Instituto dos Cegos registra seu nome, fornece-lhe um documento disso, que ficará em seu poder para uso post-mortem. Importante, porém, que a pessoa dê ciência de sua determinação à família de modo que, quando ocorrer sua morte, não possam os familiares opor obstáculos à retirada dos órgãos.
     Consumada a transposição das córneas, o Instituto procura estreitar os laços que aproximam as famílias do doador e a do receptor, alimentando um sentimento afetivo de grande força através da continuação parcial da vida do ente querido no corpo daquele que recebeu o beneficio da sua bondade.

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