SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 35-80


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CAPÍTULO I

DO NASCIMENTO
AOS DIAS ATUAIS

     Com a denominação aprovada pela unanimidade dos presentes à primeira reunião, a Sociedade de Assistência aos Cegos nascia ao sopro dos princípios democráticos, num momento em que voto era palavra proibida no vocabulário político brasileiro. A discussão aberta e ampla marcava os encontros dos precursores empenhados em fazer medrar a generosa idéia. Conscientes dos percalços a ultrapassar, estudavam meios para superá-los. Empreitada difícil, árdua sem dúvida, mas viável se todos fossem tomados de entusiasmo pela causa.
     Como costuma acontecer em empreendimentos dessa ordem, havia uma voz que se erguia mais alto. Nos primórdios da Sociedade de Assistência aos Cegos essa voz era de Arquimedes Bruno, então um jovem sacerdote católico, cuja eloqüência empolgava onde quer fizesse suas pregações. Orador sacro invulgar, Arquimedes, na condição de um dos idealizadores da entidade, passou a usar a força de seu talento oratório para sensibilizar a comunidade, persuadir os indiferentes, arrebanhar o maior número possível de adeptos para tocar o projeto.
     A flamejante palavra do Padre Arquimedes foi certamente a motivação mais efetiva para conseguir o apoio da sociedade, indispensável à sobrevivência da instituição nascente.
     Mentes e corações inflamados, a hora era de agir. Os objetivos delineados compunham um painel bastante ambicioso para a época e para a aparentemente insuperável ausência de recursos financeiros.
     Estatutos aprovados, Arquimedes Bruno foi eleito, por unanimidade, para a presidência. Os pontos básicos do programa da Sociedade foram enfatizados: a defesa social contra a cegueira, manter um instituto profissional para desenvolver as aptidões e aproveitar a capacidade útil do cego, abrigar os deficientes visuais inválidos, divulgar as conquistas científicas para o combate às moléstias da visão, dentre vários outros itens da maior importância.
     Para tanto, impunha-se simultaneamente a execução de outro projeto: promover a obtenção de recursos, através de subvenções dos poderes públicos, ou por meio de campanhas junto aos diferentes segmentos da comunidade. Donativos, contribuições dos sócios, doações oficiais e particulares, rendas de festivais artísticos, enfim, as mais variadas fontes necessárias a um orçamento mínimo destinado à manutenção dos setores projetados para o funcionamento da entidade. Uma sugestão ganhou de pronto o aprovo geral: a criação de títulos de sócios beneméritos a serem concedidos a quantos doassem contribuições de 5.000$000 (cinco contos de réis) ou acima desse índice.
     Os quarenta artigos dos Estatutos, uma pequena constituição, apontavam os caminhos a seguir, oferecendo respostas às dúvidas surgidas nos primeiros passos. Peça jurídica perfeita, era, como já se disse antes, um modelar exemplo de democracia, como um contraponto ao estado autoritário chefiado por Getúlio mais ou menos no estilo do fascismo italiano que, aliado a Hitler, ensangüentava o mundo num conflito monstruoso.
     Ao nascer a SAC, em 1942, os horrores da guerra atingiam o Brasil, com o afundamento, no mar territorial de nosso País, de nossos navios mercantes por submarinos alemães.
     Fortaleza incluía-se nas muitas manifestações que eclodiam por todo o território nacional clamando contra as agressões e pedindo a entrada no Brasil na luta contra o denominado Eixo nazi-fascista.
     A guerra que se travava na Sociedade de Assistência aos Cegos era por sua afirmação, em meio às dificuldades naturais, agravadas por essa situação política anômala a nível interno e internacional.
     Mas lá estavam, amparados nos Estatutos, os bravos pioneiros. Arquimedes tinha a seu lado a vibrante participação, desde os primeiros momentos, de Hélio Góes Ferreira, médico oftalmologista, que sonhava em dar aos cegos do Ceará uma assistência clínica e social, de modo a devolver-lhes a auto-estima e a capacidade de trabalhar para sobreviver. Também o Dr. Abner Amaral, o Dr. Eugênio Avelar, João Matos, Aluízio Riquet e todos os outros companheiros do primeiro momento devotavam-se ao trabalho de não permitir o malogro da iniciativa.
     Os beneméritos não tardaram a atender à conclamação. Um dos primeiros foi Antônio Nunes Valente, que doou um terreno com 100 metros de frente por 50 de fundos, base do patrimônio da novel associação. Nunes Valente, cujo nome hoje figura numa das principais ruas do bairro da Aldeota, tornava-se, com seu gesto, o primeiro sócio benemérito da SAC.
     Enquanto isso, a sociedade projetava-se. Do Rio, o Instituto Benjamin Constant solicitava o envio de notícias de suas atividades a fim de inseri-las na Revista Brasileira de Cegos, publicação em Braille, única no Brasil, editada por aquela histórica instituição.
     Antes de alcançar um ano de fundada, em agosto de 1943, já bastante enraizada, a SAC celebraria um convênio decisivo para a sua caminhada futura, encontrando o apoio de duas influentes entidades: a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e o Rotary Club de Fortaleza. Graças a esse consórcio, surgia em 1943 a Casa dos Cegos, localizada na Avenida Bezerra de Menezes, ainda hoje sede da instituição. O prédio pertencia à LBA, cujo secretário, escritor Raimundo Girão, assinalou em sessão especial os objetivos beneficentes desse órgão governamental, bem como os do Rotary Club, que se aliava à SAC para a consecução de ideais comuns.
     Proclamava Girão na oportunidade: “A Casa dos Cegos é a mais bela realização das três instituições”.
     Ganhando um espaço seu com a doação feita pela LBA, a Sociedade como que tomou impulso, sentiu-se mais pujante para dar corpo ao seu plano de trabalho. Um dos passos iniciais foi o movimento para retirar das ruas os cegos pedintes, levando-os ao abrigo fraterno em que iriam deparar-se com um mundo mais digno para a sua condição, no qual encontrariam alimentação, pousada, e cuidados médico e psicológico num processo lento, mas contínuo, de adaptação a essa nova realidade de suas vidas. A dimensão social da providência mereceu aceitação por parte da cidade. Cessava a humilhação da mendicância para dezenas de deficientes visuais, enquanto se extinguia nas ruas da capital a cena aviltante daqueles infelizes em sua triste cantilena.
     As mãos amigas dos rotarianos ofereciam, com espontâneo interesse, o seu trabalho para esse projeto de indiscutível valor social.

A PROPAGAÇÃO DO IDEAL

     Em poucos meses, o ideal dos pioneiros expandia-se, atingindo amplos segmentos da comunidade fortalezense. Adriano Martins recebia o seu diploma de benemérito, junto com Nunes Valente, dando também uma daquelas contribuições estabelecidas para os que dispunham de melhor situação econômica.
     Eram necessárias, entretanto, outras fontes para suprir o caixa em sua crônica aridez. A Sociedade, com sua imagem projetada a partir da sua sede e a indicação de que ali estava funcionando a Casa dos Cegos, passou a centralizar as atenções daqueles que desejavam colaborar com a nobre iniciativa e também da parte de alguns deficientes que já haviam logrado galgar posição de evidência. Foi por essa trilha que o artista cego Levino Albano da Conceição procurou a SAC oferecendo-se para realizar um festival em benefício da Casa.
     Arquimedes, na sessão de 4 de fevereiro de 1943, usava seu verbo: “Este gesto é a centelha a despertar em todos o ideal de há muito acalentado.”
     Imediatamente, diversas comissões foram organizadas com a finalidade de vender no comércio, nas fábricas, entre os profissionais liberais, os convites para a noitada do artista, que ganhava apenas o reconhecimento agradecido dos seus irmãos de infortúnio e dos alinhados na entidade devotada à sua causa.
     O pessoal do Rotary Club de Fortaleza empenhou-se a fundo. O festival deixou um razoável saldo para a tesouraria da instituição.
     Alfeu Aboim, Demócrito Rocha e outros homens de imprensa davam a sua parcela de apoio, sendo que o primeiro se tornou um colaborador permanente, ao lado dos demais fundadores, enquanto Demócrito, já alquebrado de saúde, deixava a cargo da esposa, Dona Creusa do Carmo Rocha, a missão de ativista, ao mesmo tempo em que o seu jornal (O Povo) era um dos mais vibrantes defensores da Sociedade. O mesmo se poderá dizer dos “Diários e Rá­dios Associados” (Correio do Ceará, Unitário e PRE-9), bem assim dos demais jornais da cidade, como a “Gazeta de Notícias”, “O Nordeste” e “O Estado”, dentre outros, todos contribuindo para a maior difusão dos ideais que animavam os dedicados membros da nobre associação.
     A situação porém é dramática. O tesoureiro João Matos, em dezembro de 1943, faz um relato da crítica realidade diante da posição dos governos do Estado e do Município negando-se a conceder auxílio para a manutenção dos cegos inválidos e indigentes, o que - adverte o zeloso diretor - determinará por certo o retorno de numerosos deles à mendicância.
     Nada arrefece, entretanto, o ânimo daqueles homens e mulheres denodados. Apelo é formulado ao Governo Federal, expondo o projeto da entidade e mostrando a sua grande significação social, para concluir solicitando recursos através do Ministério da Educação.
     Apesar da crise, em dezembro a Sociedade promove festa natalina para assinalar o término do curso letivo da primeira turma de alunos da escola dos cegos. Valiosa presença da LBA distribuindo prendas de Natal entre os alunos concludentes. Ouve-se comovido discurso de um dos maiores baluartes da instituição, Dr. Hélio Góes Ferreira, fazendo um retrospecto dos seus dois anos de atividades, e enumerando alegrias e tristezas ao longo do período e afinal apelando “aos que se interessam pela sorte dos desprovidos da visão” para que venham colaborar, moral e materialmente, a fim de permitir a continuidade dos seus nobres objetivos.
     Na mesma sessão, o prof. Francisco José da Silva, do Instituto Benjamin Constant, manifesta seu entusiasmo pelo trabalho desenvolvido pela Sociedade, “superando minhas expectativas”. O Padre Arquimedes Bruno vale-se da ocasião para proferir palavras de aplausos àquela benemérita escola especializada, mostrando o quanto será importante a integração da obra realizada no Ceará com a daquela histórica instituição do Rio de Janeiro.
     O ano de 44 não difere muito do anterior, com insistentes apelos aos governantes estaduais e municipais no sentido de destinarem recursos à manutenção da Casa. E os resultados dessa perseverança não tardariam a surgir. Mas enquanto não chegava o amparo oficial, outras fontes eram buscadas. O consagrado ator Barreto Júnior, cuja companhia teatral gozava de muita popularidade em Fortaleza, aceita promover uma noitada com renda em favor da Sociedade. As damas rotárias e as esposas dos diretores caem em campo passando os ingressos para o espetáculo. O caixa recebe um alívio para atender às despesas mínimas.

ESCOLA PROFISSIONAL

     O ano de 1945 traz logo nos seus primeiros meses um golpe muito doloroso: morre Abner Amaral, um dos fundadores e incansável batalhador pela causa. Pouco depois, a primeira turma de cegos cearenses viaja para aprimorar seus estudos no “Benjamin Constant” do Rio, recebendo o grupo o nome de “Turma Abner Amaral”.
     Com o devotamento próprio dos combatentes pelas boas causas, os dirigentes da Sociedade realizam, a 23 de setembro daquele ano, a solenidade de lançamento da pedra fundamental da Escola Profissional dos Cegos, base física para ampliar o funcionamento do Instituto dos Cegos, criado em 1943, com a denominação de Casa dos Cegos, e convidando o Interventor Federal para proceder à colocação de uma urna contendo a ata da reunião, jornais do dia, moedas em vigor na época e lembranças das pessoas presentes, de modo a deixar plantada para os pósteros a firme convicção de que a idéia de dar ampla assistência aos cegos do Ceará tinha lugar no futuro. O orador da noite foi o médico Fernando Leite, em nome de seus companheiros de Diretoria, enfatizando a nova fase de realizações da SAC dentro de um programa previamente traçado.
     O Arcebispo, Dom Antônio Lustosa, procedeu à bênção do local, onde efetivamente se ergueria a tenda de trabalho destinada a dar ao deficiente visual em nossa terra uma condição humana decente e digna, no esforço de apagar em definitivo o estigma da sua inutilidade, como era então considerado.
     Abrem-se novos horizontes no começo do ano de 1946, quando o novo Interventor Federal do Estado, Beni Carvalho, assina decreto aprovando crédito de 200 mil cruzeiros destinado à construção das oficinas, cuja pedra fundamental fora lançada em setembro do ano anterior.
     Na ocasião, sem esconder a sua felicidade, o Dr. Hélio Góes dá conta de que a Sociedade receberá ainda a subvenção de 24 mil cruzeiros anuais (dois mil cruzeiros por mês), para ajudar na sua manutenção, porquanto o decreto do Interventor a considerava de utilidade pública.
     Hélio Góes sugere a mudança do nome de Casa dos Cegos, fundada em 1943, para Instituto dos Cegos, justificando que seus objetivos são bem mais amplos do que a de um simples albergue, uma vez tratar-se de um centro de reabilitação do deficiente visual. A idéia foi acolhida sem restrições. Nascia com este nome, na oportunidade, o Instituto dos Cegos do Ceará, mantido até hoje pela Sociedade de Assistência aos Cegos.
     O ano assinala outra perda lamentável, com o desaparecimento de Dona Hélia Ellery Barroso, esposa do professor e jornalista Magdaleno Girão Barroso, ambos integrantes dos órgãos diretivos da entidade desde a sua fundação.
     Eugênio Avelar torna-se presidente da Sociedade pouco antes de ser promovido a desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, merecendo entusiástica saudação da Casa através do Dr. Hélio Góes.
     Num gesto de reconhecimento ao apoio que tem merecido da Legião Brasileira de Assistência, a SAC concede o título de sócio benemérito ao secretário geral daquele órgão governamental, Dr. Raimundo Girão.
     As obrigações funcionais do Des. Avelar levam-no a renunciar à presidência para a qual foi conduzido o dinâmico tesoureiro, João Matos e é este quem apresenta o projeto de construção dos pavilhões da Escola Profissional, sendo as plantas examinadas cuidadosamente por todos, de modo a ser encontrada a forma de menor custo para as sempre precárias disponibilidades financeiras. Em setembro, esses pavilhões estão praticamente concluídos, que, em merecida homenagem ao ex-Interventor Beni Carvalho, passaram a ser designados pelo seu nome. Os pavilhões Beni Carvalho representavam uma das principais metas pretendidas pelos fundadores, dentro do entendimento de que o cego não é um inútil, possuindo múltiplas potencialidades para qualificar-se em diferentes profissões. Em 19 de outubro daquele mesmo ano de 46 seriam inaugurados, em meio a festiva comemoração.
     Na festa inaugural dos pavilhões, presidida pelo primeiro governador eleito após a redemocratização do País, desembargador Faustino de Albuquerque, o discurso oficial coube ao Dr. Hélio Góes, que enfatizou, tomado de justificável júbilo, os frutos colhidos do esforço desenvolvido em favor da recuperação física, moral e social do cego.
     Os resultados obtidos redundaram na recondução dos dirigentes para novo mandato (1948 a 1950), à frente o incansável João Matos, mantida Dona Maria Prata como operosa administradora da Casa de Cegos, o internato da SAC.
     Oficinas produzindo artigos artesanais pelas mãos dos alunos deficientes, número de cegos pedintes reduzido a índices insignificantes, a escola ampliando as vagas, a Sociedade continuava sua marcha impávida, não obstante as dificuldades financeiras, principalmente pela falta de maior apoio dos poderes oficiais, restrito quase que à valiosa colaboração da LBA.
     Por aclamação, os mesmos dirigentes permanecem nos cargos para o biênio 50/52, empenhados todos num mutirão vibrante em favor da causa a que se devotaram. Em 1953, todavia, renova-se a Diretoria, assumindo a presidência outro formidável abnegado, Dr. Raimundo Gomes, que encontra respaldo na totalidade dos companheiros, inclusive de outros que se vão aproximando à medida em que a entidade se consolida.
     Novos melhoramentos surgem a cada dia. Inaugura-se a Biblioteca com a aposição do retrato de Louis Braille, o imortal criador do alfabeto que tomou o seu nome e que se tornou a base da redenção social e profissional do homem privado da visão.

OS LIONS SE APROXIMAM

     Na oportunidade da comemoração dos 11 anos de fundação do Instituto dos Cegos (antiga Casa dos Cegos), principal divisão da Sociedade, o médico Edmilson Barros de Oliveira pronuncia emocionante discurso, exaltando o trabalho praticado pela entidade e anunciando a decisão do Lion’s Club de Fortaleza de integrar-se a quantos, em nossa cidade, se dedicam ao esforço pelos nobres objetivos visados. Junta-se o Lion’s aos clubes rotários, à LBA e a outras instituições e pessoas que, acreditando no trabalho, resolvem igualmente participar do mesmo.
     Em 1955, os conselheiros elegem o Dr. Hélio Góes, grande idealizador da Sociedade, como seu novo presidente.
     Com ele, assume a secretaria geral o jornalista e professor Mozart Sobreira Bezerra, que se manteria no cargo por longos anos, até se transferir para Belo Horizonte, onde passou a exercer o magistério no Colégio Militar da capital mineira.
     No dia 1º de fevereiro de 1955, a Sociedade promove reunião para assinalar o centenário do Instituto Benjamin Constant, do Rio, instituição de referência dos demais órgãos entregues à causa dos cegos. No ensejo, o professor Francisco Silva, de volta ao Ceará, entrega à SAC uma medalha comemorativa do centenário e um diploma que o “Benjamin Constant” outorga ao congênere cearense.
     Fato de relevância da administração Raimundo Gomes, sucessor de Hélio Góes na presidência, dentre vários outros, foi a decisão de lotear o terreno doado por Antônio Nunes Valente na Rua Oswaldo Cruz, bairro da Aldeota, a fim de que, com o dinheiro arrecadado, fosse adquirido um outro próximo às instalações da Sociedade e seu Instituto, permitindo a sua ampliação na mesma área, ou seja, no Alagadiço. Toda essa previsão resultou no conjunto que hoje compõe o núcleo físico da Sociedade de Assistência aos Cegos, com sua sede administrativa, sua escola profissional, seu hospital, consultórios, imprensa Braille e todo o magnífico complexo que denota a maturidade da instituição ao atingir sessenta anos de existência.
     Aluisio Riquet, outro nome inolvidável na trajetória da SAC, seu competente e zeloso tesoureiro por largo período, presta conta da venda dos lotes da Aldeota e dá notícias preocupantes aos demais. A LBA, em 1957, suspende a sua subvenção, agravando a situação de caixa da entidade, já bastante comprometida face ao atraso de recursos oriundos do governo federal e da Prefeitura de Fortaleza.
     As vassouras produzidas pelos cegos na oficina-escola, proporcionando uma pequena renda, ajudam a assegurar a manutenção dos vários setores da Sociedade. Em dinheiro da época, revela Riquet, a produção de vassouras propiciou uma renda de Cr$ 198.549,00 (cento e noventa e oito mil, quatrocentos e quarenta e nove cruzeiros).
     Por outro lado, o loteamento das terras doadas por Nunes Valente prosseguia aportando recursos, uma garantia de sobrevivência da Sociedade ao se tornar “menina-moça”, aos 15 anos, em 1957.
     Superadas as dificuldades apontadas pelo tesoureiro, adveio um período de substanciais melhoras em termos de finanças. A tal ponto, que o diretor-geral do Instituto dos Cegos achou oportuno conceder um reajuste salarial a todo o seu devotado corpo de colaboradores, tanto os da área educacional (professores, psicólogos, etc), como o pessoal burocrata. Isto em decorrência de subvenções e do apoio dos diferentes segmentos da comunidade cearense, a exemplo do Rotary, que também doou equipamentos para um novo consultório médico, destinado aos cuidados de prevenção da cegueira, e da Prefeitura Municipal, oferecendo instrumentos musicais usados, mas em boas condições, para o ensino musical mantido pela SAC. A Manufatura Araken Ltda. também ofertou uma ajuda material. Era a evidência do reconhecimento social a um trabalho nobilitante praticado em caráter da filantropia por um grupo de pessoas da maior projeção na sociedade local.
     Aluisio Riquet não esconde a euforia. A entidade navega financeiramente em mar tranqüilo. Mais de 250 mil cruzeiros em caixa e nos bancos. Novas doações recebidas (o Banco do Brasil ofereceu 30 mil cruzeiros) e os recursos oriundos da venda dos terrenos permitiram a ampliação do conjunto de casinhas residenciais de propriedade da SAC, que, alugadas, garantiam uma renda certa e segura. Agora, eram 10 casas, em cinco blocos, todas ocupadas, rendendo cerca de 20 mil cruzeiros mensais, fonte asseguradora de meios para custear as despesas do Instituto, suprindo as demoras no pagamento das subvenções oficiais, a suspensão permanente ou temporária de outras. As casas e a produção das oficinas foram, com certeza, o esteio básico da instituição nos anos heróicos de sua implantação definitiva.

EDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO DO CEGO

     Ora superando procelas, ora enfrentando águas mais calmas, a Sociedade não parava, contudo, de crescer. Este o panorama, em 1959, quando um golpe cruel a atinge seriamente: morre João Matos, sem favor uma das peças fundamentais do seu funcionamento, como diretor, como tesoureiro ou presidente, mas sempre atuante e entusiasta no desencadear dos esforços para permitir o cumprimento dos objetivos colimados.
     Feitos o elogio fúnebre e as justas homenagens à memória do bravo companheiro desaparecido, o presidente anuncia a presença do novo conselheiro.
     Cláudio Martins, que chega movido pela mesma chama de amor à causa acalentada desde os primeiros dias da instituição por João Matos.
     Este ano de 59, depois da grande perda de João Matos, reserva espaço a um importante projeto, qual seja a chegada no Ceará de uma comissão do Ministério da Educação para expor os motivos e os meios de executar a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes Visuais. Graças a esse projeto, planeja-se a criação no Instituto de cursos de especialização de professores para cegos, instalam-se classes de Braille nas escolas de ensino comum (particulares e públicas), criam-se cursos de superação de deficiências psíquicas proporcionadas pela cegueira, notadamente a timidez, um retraimento que, muitas vezes, impede o cego de desenvolver outras aptidões potenciais, envolvendo igualmente processos de melhor aproveitamento de sua capacidade de trabalho, sistemas de locomoção independente, recebimento de salários por serviços profissionais prestados e outros itens da máxima significação no plano geral de redenção do cego como ser social.
     Tudo isso soma para que a SAC, em 1960, alcance a sua maioridade relativa (18 anos) “conseguindo vencer as vicissitudes sem quebra de ritmo regular e progressivo de trabalho”, conforme salientou o presidente no discurso da sessão realizada a 29 de abril daquele ano. Com efeito, registraram-se melhoramentos em todos os serviços, tanto na área médico-assistencial quanto na educacional e reabilitadora.
     O ano de 60 assinala as comemorações dos 18 anos, eleição de novos conselheiros e, para coroamento do trabalho, o lançamento da pedra fundamental de um outro pavilhão do complexo da instituição no bairro do Alagadiço, pavilhão que tomará o nome de João Matos, em louvor do desaparecido pioneiro, cuja memória foi exaltada na sessão de 13 de dezembro de 1960 pelo Dr. Hélio Góes Ferreira, apontando-o como uma das vigas mestras da SAC desde os primeiros momentos.

RECONHECIMENTO

     Episódio confortante e alentador vamos encontrar nos anais da Casa, em 10 de janeiro de 1961, quando o Instituto recepciona o Dr. Francisco de Assis Barreto, que vinha de receber seu diploma de bacharel em Direito no Rio de Janeiro.
     Barreto falou na ocasião, relembrando seus dias de infância vividos na então Casa dos Cegos, quando, menino pobre, chegou do interior do Estado para iniciar seus estudos numa escola própria de deficientes visuais.
     Aquela presença vitoriosa valia como mais uma injeção de ânimo impulsionando-os a outras iniciativas visando ampliar o raio de ação da entidade.
     No fluxo e refluxo da tesouraria, Aluisio Riquet comunica que o governo estadual cortou a verba de 100 mil cruzeiros que liberara para a Sociedade, mas mesmo assim os serviços educacionais, médicos e de assistência social estavam sendo regularmente mantidos.
     Quase ao findar do ano de 61, mais uma baixa lamentável no elenco dos desbravadores. Falece o professor Raimundo Gomes, assumindo a Presidência o Dr. Waldemar de Alcântara, na condição de seu vice.
     Para compensar a perda da subvenção estadual, a SAC recebe uma informação auspiciosa: a doação da verba de 800 mil cruzeiros para o exercício do ano seguinte por parte do Conselho Nacional de Educação dos Cegos, que oferta ainda material escolar para os alunos do Instituto e duas máquinas de datilografia em Braille. O deputado estadual Edmundo Rodrigues participa haver reservado, da sua cota de subvenções, a quantia de 50 mil cruzeiros para auxiliar na manutenção do Instituto.
     O Dr. Hélio Góes fala durante a sessão de 17 de novembro de 1961 para lamentar as sucessivas perdas que a Sociedade vem sofrendo com a morte de vários dos seus fundadores e grandes benfeitores, citando o recente desaparecimento do ex-presidente Raimundo Gomes, antecedido pelos de Dona Hélia Ellery Barroso, do Dr. Abner Amaral e João Matos. De pé, todos os presentes rendem homenagem póstuma a esses companheiros, com um minuto de silêncio.
     Ao assumir a Presidência, o professor Waldemar de Alcântara promete tudo fazer para suprir a ausência do seu antecessor, Raimundo Gomes, de modo a que a Sociedade não sofra mais profundamente a sua irreparável perda. Na oportunidade, Waldemar de Alcântara anuncia uma doação pessoal de 50 mil cruzeiros destinados à pintura da capelinha e à limpeza geral do Instituto dos Cegos.
     Quando apresentou o relatório geral das atividades de 1961, o Dr. Hélio Góes Ferreira ressaltou o equilíbrio das finanças, elogiando o papel do tesoureiro Aluisio Riquet, como também as realizações assinaladas em todos os setores da Sociedade, em particular o Instituto dos Cegos, o eficiente órgão educacional mantido para a formação dos deficientes visuais.
     O Diretor Geral do Instituto enfatiza a significação do convênio vigente com a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Cegos, o que permitiu o cumprimento de um vasto programa de reintegração social do deficiente da visão nos campos cultural, moral, religioso, artístico, social, físico e intelectual, com destaque especial para o que foi realizado com vistas à sua formação profissional.
     Na sessão de 12 de maio de 1962, homenagem prestada ao Dr. Francisco de Assis Barreto, que já se formara antes em Direito, e agora em Pedagogia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, juntamente com outro ex-aluno do Instituto de Cegos do Ceará, Marden de Salles Pessôa, este falando, ao final, em agradecimento à manifestação e enaltecendo a decisiva interferência do Instituto no desfecho vitorioso de suas carreiras.
     A 2 de agosto, a SAC promovia, com solenismo, a festa dos seus 20 anos de fundação. O presidente participa que o Instituto dos Cegos ganhara personalidade jurídica através de Registro no Cartório Pergentino Maia.
     Não houve grandes transformações durante o ano de 1963, conforme relatório apresentado, em detalhes (inclusive pelo tesoureiro) durante a sessão de 5 de maio de 1964.
     O Brasil passara por profundas modificações em sua estrutura política, com o advento do regime militar em 31 de março de 64. No seu afã de reduzir índices inflacionários, o governo corta despesas em todos os setores. A verba federal de 800 mil cruzeiros que a Campanha Nacional de Educação dos Cegos reservava para a SAC foi reduzida em 50%, sem dúvida um rude golpe nas finanças da instituição.
     O presidente Waldemar de Alcântara, justificando seu pedido de renúncia pelo acúmulo de suas obrigações políticas e como dirigente da Faculdade de Medicina do Ceará, sugere sua substituição pelo vice, passando ele a ocupar este último cargo. Sugestão acatada, com o desembargador Eugênio Cavalcante Avelar Rocha assumindo a função mais alta da cúpula da associação.
     No dia 21 de setembro de 64, o Instituto dos Cegos atinge a maioridade: 21 anos de inestimáveis serviços prestados à sociedade cearense. Nas comemorações, a aclamação de novos sócios beneméritos, com citação especial ao Rotary Club de Fortaleza Oeste, que se engajara ao plano assistencial do Instituto e ao Dr. Raimundo Girão, rotariano e também secretário geral da Legião Brasileira de Assistência.

AGRAVAMENTO FINANCEIRO

     Após 64, e a retirada de metade da subvenção da Campanha Nacional dos Cegos, a realidade financeira da instituição agrava-se de modo preocupante, como revela o tesoureiro Aluisio Riquet. Tanto pior em virtude do incontrolável aumento do custo de vida, denominação com a qual se chamava na época a tão temida inflação.
     Os dirigentes, mais uma vez, arregaçam as mangas, não desanimam e planejam outros meios para impedir o fracasso da entidade. Além dos reiterados apelos aos poderes públicos, um contato direto com a rede bancária, na tentativa de sensibilizá-la a conceder alguma renda extra indispensável à sobrevivência da SAC e seu abrangente programa assistencial.
     Os aluguéis das casas, congelados, e a venda dos produtos fabricados na oficina-escola (vassouras, espanadores, peças artesanais em madeira e couro, etc) garantiam o mínimo para que não cerrasse as portas da tão valorosa instituição.
     Nesse delicado estado de coisas, a SAC atravessa os anos de 65, 66 e 67, sem, contudo, jamais perder-se na acomodação e na indolência.
     Assim, informa o Dr. Hélio Góes já em junho de 1968, os serviços de atendimento oftalmológico não cessaram de crescer, pelo que sugeria a construção de mais um pavilhão para a cirurgia de olhos. Com seu espírito caritativo, Hélio Góes - é justo que se assinale - atendia os pacientes enviados pela Sociedade em seu consultório, na Santa Casa de Misericórdia, realizando centenas de operações de vista. Mas o setor especializado daquele velho e sempre desprotegido hospital estava sobrecarregado.
     A essa idéia acodem, pressurosas, as damas rotárias. O pavilhão é construído graças ao empenho dessas senhoras, promovendo um sem-número de eventos para a obtenção de recursos. Em sua homenagem, o novo setor da SAC ganha o nome de “Pavilhão das Damas Rotárias”. (Centro Cirúrgico Casa da Amizade)
     O ano registra mais diversas mortes de grandes benfeitores da Casa, levando Dona Dalila Matos, cujo falecimento provoca forte comoção no seio dos alunos e albergados do Instituto dos Cegos, de que cuidava com insuperável carinho. Na saudação póstuma, falou o capelão do Instituto, Padre-Doutor Misael Gomes, exaltando o desempenho da extinta em favor do Instituto. Também naquele ano desapareceu o desembargador Arnaud Baltar, seguindo-se a morte do Des. Eugênio Avelar, ambos grandes baluartes da nobre causa.
     A “mísera senhora” vai ceifando preciosas vidas, abrindo lacunas profundas no organismo da SAC. Porém, a idéia dos pioneiros vingara inabalavelmente. Outros chegavam, ocupando os vazios, e com igual vigor e entusiasmo. Dirce Bonavides Borges Sales, Carlos Furtado Lobo, José Bezerra de Arruda, Luciano Mota, tantos e tantos mais. É por essa época, meados de 1968, que aporta à Sociedade um jovem médico oftalmologista: Waldo Pessoa de Almeida, trazendo consigo a esposa Josélia. Assim, já são praticamente quatro décadas de absoluta devoção à causa dos deficientes visuais, que neles encontram, hoje, como ontem, o mesmo generoso amparo. A seu respeito, falaremos ainda neste livro.

JUBILEU DE PRATA

     A 19 de setembro de 1968 é hora de festejar os 25 anos de fundação dos Instituto de Cegos, um ano mais novo do que a Sociedade e, por certo, a sua mais arrojada realização.
     A história do Instituto é paralelamente a história da Sociedade de Assistência aos Cegos e, portanto, a própria história da reintegração do deficiente visual em nossa terra.
     Na ata que documenta a festa do seu jubileu de prata, a frase inicial traduz com rigorosa precisão o que já era o Instituto há precisos 34 anos passados: “Pequena fagulha projeta-se e, vencendo obstáculos, transpõe a meta ordinária, conquistando amplo e assinalado lugar no campo social”.
     Mantido pela SAC, como rebento maravilhoso do seu idealismo, o Instituto de Cegos é hoje uma referência não somente local, mas de projeção no Nordeste e no País. A respeito de seus 59 anos de vida, praticamente a mesma idade da sua força mantenedora, este livro reserva um capítulo especial de modo a revelar a sua real dimensão em nossos dias e o papel que desenvolve em prol da conquista de um espaço justo e digno para os despossuídos da visão.
     No transcurso do seu 25º aniversário, o Instituto ganha um novo pavilhão, que lhe permitirá a ampliação do atendimento de mais um expressivo número de deficientes, que recebe a denominação de Pedro Philomeno, numa mostra de agradecimento ao industrial conterrâneo que, como vários outros, se engajara na comovente jornada que a SAC iniciara no longínquo ano de 1942. O próprio Pedro Philomeno comparece à solenidade de descerramento da placa com o seu nome.

Inauguração de um novo Pavilhão, aparecendo dois grandes beneméritos da Casa, Hélio Góes e Aluisio Riquet
Inauguração de um novo Pavilhão, aparecendo dois grandes beneméritos
da Casa, Hélio Góes e Aluisio Riquet.

     O Vice-Governador do Estado, general Humberto Ferreira Ellery, representando o governador Plácido Aderaldo Castelo, declara inaugurado o Pavilhão Pedro Philomeno, entregando na mesma ocasião o Bloco Cirúrgico Casa da Amizade, produto do esforço das damas rotárias.

PREITO DE GRATIDÃO

     25 de março de 1969, data em vermelho do calendário do Ceará, a Sociedade promove uma bela sessão para aprovar a concessão de novos diplomas de sócios beneméritos a diversas pessoas físicas e jurídicas que se aproximaram da Casa e seu Instituto para colaborar em seu esforço titânico.
     Vinte e sete anos depois de fundada, a SAC pranteava a ausência de muitos dos idealistas que a criaram, ao mesmo tempo em que recebia com afeto e alegria a chegada de novos apóstolos da causa, dominados pela coragem e abnegação dos pioneiros, somando esforços para a meta comum.
     Waldo Pessoa Almeida já se entregava com devoção ao trabalho médico assistencial, Dona Maria Prata tornava-se a coluna de sustentação do Instituto (Casa dos Cegos), da qual era administradora, o Dr. Juraci Teixeira reservava parte do seu tempo para colaborar ao lado de veteranos da entidade, como Aluisio Riquet, Padre Misael Gomes, João Mendes Filho, o incansável Hélio Góes Ferreira, sua esposa, D. Maria José Menescal de Góes Ferreira, as senhoras Rivalda Sales de Sales e Dirce Bonavides Borges, os Drs. Geraldo Luciano Matos, Francisco de Castro Bonfim, a valorosa dama Bianca Baltar Riquet, esposa de Aluisio e filha do saudoso desembargador Arnaud, uma família consciente dos seus propósitos de batalhar em benefício dos cegos.
     Os títulos de beneméritos seriam entregues na sessão de 19 de setembro daquele mesmo ano de 69, = 26º aniversário do Instituto, manifestando seu reconhecimento à Casa da Amizade, ao Rotary Club de Fortaleza, Rotary Club de Fortaleza Alagadiço e Rotary Club de Fortaleza-Oeste, ao colunista social José Calazans Pires, o Bayard, cujo espaço na imprensa estava sempre aberto às campanhas da instituição, aos empresários Petrônio Andrade, Gerardo Camilo Aguiar, ao Lion’s Club Jangada, ao jornalista Antônio Carlos Campos de Oliveira, dirigente dos jornais “Associados” do Ceará, ao general Paulo Rocha Lima, à Legião Brasileira de Assistência, aos empresários Edson Queiroz, Eliseu Duarte, Paulo Roberto de Carvalho, a Dona Elza Almeida Pinheiro, ao major José Bezerra de Arruda, a Luiz Nogueira Mota, Rubens Martins de Albuquerque, Edmar Hortêncio de Aguiar, D. Dorina Gouveia Nowill, ao empresário João Clemente Fernandes, à Campanha Nacional de Merenda Escolar, a Francisco Oscar Rodrigues, à Caritas Diocesana de Fortaleza, a Moacir Falcão, ao coronel Edinardo Weyne, a Fernanda Capêlo, a Antônio Carlos Queiroz Franco, ao Dr. Luciano Mota e ao tenente-coronel Paulo Studart.
     O leque de personalidades homenageadas evidenciava o alto nível de conceito que a SAC conquistara em seus quase trinta anos de existência, acolhida e aprovada pela sociedade como um todo.
     Na mesma sessão solene, outra figura inesquecível recebia homenagem póstuma, Dona Dalila Matos, obrigatória presença na galeria de benfeitores.

ESMERALDINO

     Destaque do Instituto naquela reunião festiva, o professor José Esmeraldino de Vasconcelos era por si mesmo a mais robusta demonstração da capacidade de um homem cego quando socialmente aproveitado. Os pequenos alunos da Casa cantam, jubilosos, o Hino do Instituto, letra e música de autoria de Esmeraldino, poeta e musicólogo, dono de exuberante talento e que amealhou, ao longo dos anos, vasta bagagem cultural praticamente como autodidata.
     Na pessoa de Esmeraldino Vasconcelos o Instituto encontrava a verdadeira essência de seu projeto, que se propunha a dar ao homem cego um destino menos doloroso e muito útil à sociedade.
     Ambiente de cordialidade e confraternização na festa comemorativa dos 26 anos do Instituto de Cegos. Além de Esmeraldino Vasconcelos, os alunos promoviam igualmente a obra de outro deficiente visual, José de Alencar Bezerra, interpretando um pot-pourri de músicas populares de sua autoria.
     Em meio à esfuziante alegria daquelas crianças, ora cantando, declamando ou discursando, o Instituto colhia os frutos de seu notável trabalho.
     Foi com outras palavras que assim se referiu à obra da SAC o Bispo Auxiliar de Fortaleza, Dom Raimundo de Castro e Silva, testemunhando, com a autoridade de homem de Deus, o papel cumprido pela instituição em favor dos atingidos pela cegueira.
     Uma solenidade marcante, digna do êxito alcançado pelo Instituto nos seus 26 anos de ininterrupta atividade.

O BOM VIZINHO

     Prossegue a ação implacável da Parca. Agora, ela arrebata o empresário Laete Fernandes, ainda bem moço. Laete vinculara seu nome ao grupo de fiéis colaboradores da jornada pelos cegos. Sua vaga de conselheiro ensejou a efetivação de um outro batalhador que iria inscrever seu nome para sempre na história da Sociedade: Francisco Waldo Pessoa de Almeida. Era agosto de 1970. Outro conselheiro, José Afonso Sancho, por razões particulares, renuncia ao seu lugar em um dos conselhos da SAC, sendo substi­tuído por Antônio Carlos Queiroz Franco, que se destacaria por seu acendrado amor à causa.
     Por essa mesma época ocorre um fato por demais benfazejo para a entidade. Sua sede localiza-se a poucos metros do quartel do então Centro de Preparação de Ofi­ciais da Reserva - CPOR, núcleo do Exército Brasileiro do qual era comandante o então coronel Francisco Batista Torres de Melo. Um tanto pela proximidade física da sede com o quartel, o Cel. Torres de Melo aproximou-se da SAC. E logo se tomou de amores pelo ideal que a impelia em seu trabalho. Ficou-se sabendo que o garboso militar trazia no sangue a força genética de herança paterna no que tange ao espírito caritativo. Com efeito, o velho José Ramos Torres de Melo, comerciante com incursão na política (foi deputado à Assembléia Legislativa do Estado do Ceará) dedicara toda sua vida à filantropia. Criou e dirigiu até a consumação dos seus dias o Asilo de Mendicidade, que atrelou à Maçonaria, à qual também se prendia por forte crença em seus princípios. O Cel. Torres de Melo, inclusive, como também seus irmãos, uniram-se sempre ao pai na tarefa de assistir, da melhor forma possível, os idosos recolhidos àquele casarão do Jacarecanga, ao lado do Liceu do Ceará.
     Estava explicada a imediata identificação do comandante do CPOR com o projeto da SAC. Passou a ser presença constante nas reuniões. E muito mais que isso. Procurou prestar serviços, ajudar da melhor forma possível. Liberava recrutas sob seu comando para colaborar na limpeza e pintura das instalações da Sociedade, cedia viaturas para o transporte de material para obras de construção de novos departamentos da Casa e, especialmente, a cada fim de semana, fazia questão de fornecer aos residentes da instituição, incluindo também servidores, a lauta feijoada que marcava os sábados naquela corporação militar.
     Naqueles gestos, Torres de Melo revelava toda a sua vocação para a benemerência, o que se materializava na sua adesão ilimitada aos projetos da Casa, da qual viria a ser, pouco tempo depois, um dos conselheiros. Anos mais tarde, já general reformado, Francisco Batista Torres de Melo teria atuação relevante como diretor da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza.
     Seria uma omissão imperdoável se não constasse deste registro histórico, acerca da trajetória da Sociedade de Assistência aos Cegos, o nome desse brioso oficial do Exército e destacado homem público de nosso Estado.

OUTROS VALORES

     Nunca em seus sessenta anos de existência a SAC sofreu o vazio do abandono. Enquanto a morte ia ceifando vários dos seus idealizadores, muitos outros valores se achegavam, a exemplo do já citado Torres de Melo, acrescentando-se outros nomes como os do hoje desembargador, então jovem juiz de Direito, José Ari Cysne, do médico José Borges Sales, cuja esposa, Dona Dirce Bonavides Borges Sales já emprestava o seu valioso contributo à instituição, do Dr. Adelino de Alcântara Filho, primo e cunhado do Dr. Waldemar de Alcântara, de Felipe Mininéa Pereira e tantos mais.
     Havia uma constante renovação de dirigentes, embora os valentes fundadores, alguns já ao peso de idades avançadas, continuassem firmes nos seus postos, de onde somente a natural finitude humana os retiraria.
     Assim, na sessão de 26 de agosto de 1970, para posse dos novos conselhos, vamos nos deparar com o venerável Dr. Hélio Góes na presidência. Acolitado por outro dos pioneiros, o também oftalmologista Dr. João Mendes Filho, tendo Aluisio Riquet como tesoureiro - garantia de contas organizadas e límpidas. Na sessão, assumia a Direção Geral do Instituto dos Cegos o Dr. Waldo Pessoa de Almeida, cargo com o qual se identificou profundamente e que ainda agora ocupa na parte médica.
     Oscilando entre situações mais ou menos normais e outras de graves dificuldades, a SAC depara-se em 1970 com um problema de maior preocupação. O Instituto Nacio­nal da Previdência Social - INPS mantinha com a Sociedade um convênio pelo qual eram atendidos centenas de seus segurados, representando uma substancial fonte de recursos para cobrir as despesas com o funcionamento da entidade como um todo e, em especial, do Bloco Cirúrgico Casa da Amizade. Para manter o convênio, o INPS impunha uma condição: o Bloco Cirúrgico deveria instalar, sem demora, uma lavanderia.
     Sem a lavanderia, o Bloco Cirúrgico seria rebaixado de categoria, caindo conseqüentemente suas cotas pelas cirurgias realizadas nos clientes do INPS.
     Exposto esse dilema, os conselheiros passaram a estudar diversas formas para conseguir os meios de construir o equipamento exigido. Prontamente, o conselheiro Cláudio Martins participa que a renda auferida no lançamento de seu mais recente livro, totalizando Cr$ 2.385,00, estava à disposição da SAC a partir daquele momento.
     “Jamais a nossa entidade passou por situação financeira tão difícil. O Bloco Cirúrgico está sobrevivendo somente com o dinheiro das consultas, o que não dá para cobrir suas despesas”, revela o presidente.
     Era preciso agir. O gesto de Cláudio Martins revigorou a posição da maioria, num momento em que alguns chegaram a sugerir o fechamento puro e simples do centro de cirurgias. A idéia foi rejeitada de pronto.
     Waldo Pessoa adianta que esteve com o diretor do Departamento Estadual do Trânsito, dele obtendo a liberação de um estacionamento de veículos para ser explorado pela Sociedade, o que seria a certeza de uma renda mensal fixa e significativa.
     Na mesma linha, o conselheiro Juraci Teixeira comprometeu-se a manter um entendimento com o secretário da Fazenda, seu amigo pessoal, a fim de tentar o pagamento de verbas que estavam retidas naquela Secretaria em favor da SAC.
     Outra providência decidida na ocasião foi a ida de uma comissão à Superintendência do INPS para expor a real situação da entidade e dizer que, ali, os recursos da Previdência eram aplicados com rigorosa transparência, sem quaisquer irregularidades, como estaria acontecendo em algumas clínicas particulares da cidade, fato que teria determinado a suspensão dos repasses de pagamentos de cotas pelos atendimentos feitos aos segurados, atingindo assim, indiscriminadamente, os faltosos e os inocentes, como no caso da SAC.
     Assim irmanados, e analisando medidas a adotar, os dirigentes lograram mais uma vez manter a instituição em pleno e normal funcionamento, sem quebra de um só dia de atendimento ao público (consultas e cirurgias) e da atividade normal dos seus diversos setores, em particular o educacional, a esta altura com dezenas de alunos matriculados, crianças e adultos.
     Ao final da importante reunião, o tesoureiro anunciou que entregaria um balanço completo da realidade financeira, de modo a que todos os companheiros pudessem avaliar as necessidades, empenhando-se ainda mais na obtenção dos recursos imprescindíveis.
     Longe de se acomodarem, os dirigentes partiram para a consecução dos meios de instalação da lavanderia. E mais ainda: a construção de uma quadra de esportes destinada a complementar a educação física dos alunos do Instituto. Outra comissão ficou encarregada de estudar os meios para a aquisição do material necessário à obra.
     Nessa mesma reunião foram também escolhidas as comissões representativas da Casa para ajudar na coordenação e direção do II Seminário Sobre Educação de Deficientes Visuais, certame programado para os dias 29 e 30 de outubro de 1970, em Fortaleza, por iniciativa da Associação Brasileira de Educação de Deficientes Visuais - ABEDEV.

ROMPENDO O CERCO

     Os resultados daquele plano de esforços não tardam a surgir. O tesoureiro Riquet anunciava o recebimento de verba no valor de 8 mil cruzeiros da Secretaria da Fazenda e de uma doação de 150 dólares por parte da Companhia Johnson. E a propósito, o cel. Torres de Melo revelou que a Johnson estava propensa a colaborar mais efetivamente com a Sociedade, inclusive através da doação de equipamentos médico-cirúrgicos. Para tanto, a entidade deveria providenciar o envio de um expediente à empresa através do Dr. Galba Araújo, que a seguir o encaminharia à consideração da cúpula da Johnson nos Estados Unidos para aprovação do pleito. A notícia provocou vibração nos presentes, manifestada por uma estrepitosa salva de palmas.
     Torres de Melo, ainda com a palavra, solicitou a marcação de uma data para a inauguração da quadra de esportes que estava pronta. Ressaltando a decisiva colaboração desse conselheiro na edificação da obra, a diretoria estabeleceu que a mesma seria solenemente inaugurada no dia 21 de abril, feriado de Tiradentes.

OS DEFICIENTES SE AFIRMAM

     Dia de festa, talvez das mais bonitas havidas naquele cenáculo de afeto. Manhã cedinho, estava tudo em ordem para a inauguração da quadra esportiva construída em tempo recorde. Por volta das 8 horas, chegou o governador César Cals, seguindo-se a abertura da solenidade, ao som do Hino Nacional para hasteamento da Bandeira do Brasil.
     O facho conduzido por um deficiente visual foi colocado em seu pedestal, simbolizando o espírito olímpico de competição que o encontro estava anunciando.
     Houve o desfile dos atletas e, logo depois, iniciaram-se as demonstrações de ginástica pelos alunos do Instituto Pestalozzi, do Instituto de Surdos/Mudos e do Instituto dos Cegos.
     Os jogos, aguerridamente disputados, provocam um frisson na numerosa platéia presente. Uma alegria de corpos jovens em seus uniformes coloridos. Algo realmente inesquecível.
     Em prosseguimento ao roteiro do grande dia, o governador cortou a fita simbólica dando por inauguradas as Salas de Reabilitação e de Atividades da Vida Diária, novos e efetivos melhoramentos nas instalações do Instituto.
     Ao final, palavras do governador, que se mostrava impressionado com o que acabara de ver e prometia, na sua condição de dirigente mais alto do Estado, passar a auxiliar mais objetivamente a ação da Sociedade de Assistência aos Cegos do Ceará.
     Por certo, uma data marcante no calendário da Casa, que ganhava, assim, mais prestígio e conceito. Como era uma instituição em franco desenvolvimento, precisava atualizar os seus Estatutos, por sinal muito avançados quando de sua aprovação em 1942. Mas novos campos de atividades estavam nascendo e era importante defini-los normativamente. Uma comissão foi encarregada do trabalho.
     Reformados e aprovados, deram maior respaldo à ação dos vários conselhos, que se empossaram no dia 17 de agosto de 1972, em solenidade acontecida na residência de um deles, o industrial Pedro Philomeno Ferreira Gomes.
     Mais colaboradores iam se achegando, numa evidência da força que a Sociedade conquistava a cada nova vitória. Nomes como os de Haríolo Holanda, Gerardo Carneiro, Francisco de Assis Philomeno Gomes, além das esposas de quase todos os diretores se agregaram à luta.

A MARCHA NÃO CESSA

     Pesquisando os registros da Sociedade, através da coleção de atas das sessões do Conselho Deliberativo e da Diretoria Executiva, verifica-se uma verdade inconteste: a marcha, iniciada em 1942, não cessa. Pelo contrário, trinta anos após, ora enfrentando borrascas, ora em marés mansas, a Sociedade de Assistência aos Cegos mantém impavidamente a linha traçada no dia do seu nascimento. Os ocasionais desalentos, decorrentes das sérias dificuldades a cada passo surgidas, transformam-se em estímulo à continuação do trabalho.
     Renovam-se os membros diretores, quer pela morte de uns, pelas razões ponderadas de outros, mas os que chegam trazem dentro de si a mesma chama, o mesmo ideal.
     Em 17 de agosto de 1972, por exemplo, numeroso grupo se reúne na residência do respeitável industrial Pedro Philomeno. Parece de propósito. Pedro Philomeno é o mais idoso de todo o grupo, ao qual se integram vários moços, a exemplo do major Rinaldo Cisneiros, dos Srs. Pedro Bezerra de Menezes e de Hélio Góes Ferreira Filho, este herdando do pai o mesmo entusiasmo pela causa.
     Momentos de tristeza atingem a comunidade, como a notícia da morte do colunista Bayard (José Calazans Pires), que tanto colaborava com a entidade, e do Dr. Francisco de Castro Bonfim, outro vibrante lutador dentro da SAC.
     Naquele ano, o coronel Francisco Batista Torres de Melo é transferido de Fortaleza, indo servir em distante guarnição do Exército. Um desfalque muito sentido. Os demais procuram reduzir a extensão da perda e aproveitam para demonstrar seu reconhecimento ao amigo que vai embora, elegendo-o sócio benemérito.
     Nos documentos compulsados constata-se que, apesar de tudo, a Sociedade segue a normalidade de seu programa, tudo correndo nos carretéis, como dizem os colunistas sociais.
     Encontra-se nos anais a notícia de mais uma bonita festa, a 30 de agosto de 1973, destinada a agraciar como beneméritos da Casa da Amizade, o cel. Francisco Torres de Melo e o venerando industrial Pedro Philomeno Ferreira Gomes.
     As finanças atravessam uma fase adjetivada pelo tesoureiro como “satisfatória”, permitindo inclusive a aquisição de novos equipamentos para o Bloco Cirúrgico Casa da Amizade. Os recursos - explica o Diretor Geral Waldo Pessoa - vieram da renda auferida na Festa das Nações, bilheterias generosamente cedidas para os cofres da entidade.
     As vitórias se sucedem. A deficiente Maria Luciene Pereira conclui o 1º grau no Colégio Júlia Jorge e é escolhida oradora da turma. O fato enche de alegria os colaboradores do Instituto, que agora pensam em como festejar o Natal daquele ano com seus alunos. A Casa da Amizade acode com 500 cruzeiros, o estacionamento rotativo controlado pela Sociedade doa mil cruzeiros. Tudo modesto, mas a confraternização natalina não deixa de ocorrer.
     No ano seguinte, 1974, logo na primeira sessão (09 de janeiro de 1974) questões administrativas e financeiras acaloram os debates. Um dos temas principais: - o Instituto deveria continuar como internato, mais dispendioso e sempre sujeito a problemas de ordem disciplinar, ou mudaria para o sistema de semi-internato ou externato?
     Uma coisa é definida. O Instituto tem de prosseguir em sua missão. Para tanto, torna-se indispensável a autorização do Conselho Estadual de Educação para funcionar como estabelecimento de ensino especializado e reconhecido. Impunha-se, então, a contratação de um corpo administrativo e de uma diretora. Tudo debatido, estudado, aprovado.
     Em março daquele ano, um assunto domina os conselheiros: - o impressionante aumento do custo de vida, exigindo uma adequação das despesas à receita da instituição. O diligente tesoureiro Aluisio Riquet esclarece que, no ano anterior (1973), a despesa média orçou em 7.200 cruzeiros mensais, prevendo uma elevação mínima de 30% para o exercício iniciante. Examinadas as fontes de renda, constatou-se que não ultrapassavam os 8 mil cruzeiros por mês, insuficientes para o atendimento dos custos, orçados em torno de 10 mil. Cruzar os braços?, jamais. Idéias foram apresentadas. Adquirir, por exemplo, os gêneros alimentícios na COBAL, a preços mais baixos, ampliar os programas de festivais beneficentes, meio de conseguir recursos extras. Enfim, era mais uma vez hora de cair em campo com aquela garra de sempre.
     As lamentações cessaram para dar lugar a um projeto novo: a contratação, sem demora, de uma enfermeira diplomada pela Escola Ana Nery para auxiliar as cirurgias no Bloco Cirúrgico Casa da Amizade. O dinheiro para tal fim teria de ser obtido. Com esta filosofia, a luta prosseguia e a entidade crescia sempre.
     Pontilhada de momentos inolvidáveis, a ascensão da Sociedade de Assistência aos Cegos encerra alguns pontos que merecem especial registro. Por exemplo, naquele 7 de agosto de 1974 a Casa se engalana. Seu novo presidente, Dr. Juraci Teixeira, não esconde o entusiasmo quando discursa para saudar os diretores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que ali comparecem a fim de apresentar os selos comemorativos da V Assembléia Geral do Conselho Mundial para o Bem-estar dos Cegos, há pouco acontecida em São Paulo. “É a primeira vez, amigos, - ressalta Juraci - que na história da filatelia um selo é impresso em Braille, cumprindo projeto concebido pela Fundação para o Livro do Cego no Brasil em sintonia com a Sociedade Filatélica Brasileira”.
     O acontecimento representa, com certeza, mais um marco no processo de afirmação do deficiente visual no contexto da comunidade do País. Justificável, pois, a alegria generalizada que se observa naquele encontro, prestigiado pelo comparecimento das mais distintas personalidades da vida cearense.
     Amostras das duas estampilhas são anexadas à ata dos trabalhos da reunião, documentando assim um fato inédito e revelador da crescente expressão da SAC no meio social da cidade, ou seja, o reconhecimento da comunidade cega.
     O ano destaca ainda a reforma da velha fábrica de vassouras, mais que uma valiosa fonte de renda da entidade, pois se trata de um importante instrumento destinado à profissionalização dos destituídos da visão.
     Nesse diapasão, a SAC chega a 1975 com outro melhoramento digno de nota: - a inauguração da sala de exames e curativos do seu centro médico, que recebeu o nome “Sala Bayard”, em louvor à memória do colunista José Calazans Pires, mais conhecido pelo seu pseudônimo, que falecera ainda bastante jovem.
     O bravo comandante Hélio Góes se dizia doente e cansado, reivindicando afastamento do cargo de Diretor Geral do Instituto, mas o Dr. Waldo Pessoa sugere uma solução conciliatória, acatada por todos. Ele indica o coronel José Bezerra de Arruda para o cargo de diretor administrativo, reduzindo desse modo parte das pesadas obrigações do Dr. Hélio. Mas aquilo era o prenúncio de algo muito lamentável.

ADEUS AO GRANDE LÍDER

     Hélio Góes tornara-se o facho de luz a conduzir os destinos da instituição que ajudara a criar em 1942. Alquebrado pela idade e problemas de saúde, ainda assim aquiescera à sugestão de Waldo Pessoa permanecendo à frente da SAC para um novo biênio. As forças, porém, iriam lhe faltar dentro de poucos meses. Aquela sessão de 25 de março de 75 seria a última a que presidiria. No dia 18 de maio de 1976 morria o incansável bata­lhador.
     Coube a Waldo Pessoa a tarefa de fazer o necrológio do imortal idealista na sessão do dia três de junho daquele mesmo ano. “Foram 34 anos de abnegação, de total devotamento ao ideal que o animava, colocando toda a sua competência médica e, acima disso, todo o seu imenso coração, a serviço da meta colimada: a integração social do cego”, assinalou à certa altura o orador.
     Hélio Góes Ferreira foi indubitavelmente uma vida preciosa para a SAC e para o Ceará no campo da oftalmologia. Devotou-se com amor e carinho à missão de combater os males da visão, e nos casos irreversíveis, a mostrar que ao cego não estava destinada uma condenação inapelável, pois poderia ser perfeitamente um homem de muita serventia na prática de múltiplas atividades, útil para si, para sua família, para a sociedade como um todo. Jamais desacreditou nisso e colocou todas as suas reservas físicas, morais e profissionais à efetivação desse objetivo.
     Sua morte deixaria, como deixou, um vazio sem par na SAC e no coração dos deficientes visuais de nossa terra. Seu último gesto foi a doação à entidade de todo o seu equipamento médico-cirúrgico, como a manifestar o desejo de que, mesmo após a morte, continuaria a colaborar com a benemérita instituição que criou e consolidou ao lado de outros pioneiros.
     Continuam se aproximando da Sociedade diversas outras pessoas que se sensibilizam com o seu nobre projeto. O Padre Abelardo Ferreira Lima, vigário de São Gerardo/Alagadiço, abraça o movimento, entra para a entidade e entrega-se com o entusiasmo dos demais à luta pela sua manutenção e crescimento. O mesmo fazem o Dr. Milton Moraes Correia, o médico Jack Shaumann, o Dr. José Bezerra de Arruda Filho e tantos mais.
     Evidenciando o reconhecimento ao trabalho da SAC, e sentindo as dificuldades sempre maiores em razão da ampliação do seu raio de ação, várias organizações se decidem a apoiá-la, como o Frigorífico de Fortaleza, o FriforT, cujo presidente participa a doação do suprimento de carne para atender ao consumo dos internos da Casa. Há um detalhe relevante neste caso especial da ajuda do Frifort. Não havia como apanhar a carne doada. Sem outra alternativa, e para não perder tão substancial contribuição, o Dr. Waldo passa a ir, em seu próprio veículo, aos sábados, apanhar a carne generosamente ofertada. Era assim, com esse espírito prevalecente, que a SAC seguia seu vitorioso caminho.
     Outras metas eram projetadas, como o anúncio feito pelo Dr. Waldo Pessoa da criação do Banco de Olhos do Ceará, cujos equipamentos essenciais já haviam sido adquiridos, formando-se, simultaneamente, uma agenda de doadores de córneas (ver capítulo dedicado a este assunto neste livro).

DEUS E O POVO ESTÃO CONOSCO

     Como de costume, a Sociedade vez por outra se depara com obstáculos quase intransponíveis. Ninguém se deixa abater, porque já estava consolidada uma consciência dos mais diferentes segmentos sociais quanto à importância e magnitude de uma instituição dessa natureza.
     Num desses momentos de mais dificuldades, ouve-se a palavra do tesoureiro, revelando que doações de pessoas anônimas estão chegando para a Casa, em dinheiro, em utensílios domésticos, em roupas de cama, em gêneros alimentícios, de toda forma. O novo presidente, Waldo Pessoa, manifesta e instila confiança aos demais: “Estes auxílios vêm do alto - é a mão de Deus que nos acode em momentos críticos. Deus e o povo estão conosco”.
     Deus de bengalinha branca à porta do casarão do Alagadiço, atiçando o ânimo dos sonhadores e indicando as saídas para as vicissitudes costumeiras. E assim, pelos anos afora, a SAC forjou sua têmpera. Com o povo a seu lado.

MAIS QUALIFICAÇÃO

     O ano de 84 foi de seca. E não se precisa dizer mais nada. Um retraimento natural ocorre entre os que rotineiramente colaboravam com a instituição. Não obstante, a SAC prossegue impávida a sua caminhada. Em 10 de abril desse ano, inaugura-se a “Sala José de Freitas e Silva-Nena”, e o “Centro de Profissionalização Dr. Armando Santos Araújo”, melhoramentos creditados à Teleceará, através do seu presidente, Tarcísio Farias e Silva, que comparece à solenidade inaugural e fala de sua emoção ao oferecer ao Instituto dos Cegos mais uma opção destinada a qualificar os destituídos da visão. A sala de telefonia, que mereceu o nome do genitor do presidente da Teleceará, alia a teoria educativa à prática funcional. O Centro de Profissionalização consta de um aparelho inventado pelo engenheiro Armando dos Santos Araújo - daí o nome dado em sua homenagem - que transforma os sinais luminosos em incentivos táteis, permitindo ao cego localizar e manipular qualquer ramal solicitado sem possibilidade de erro. Esse aparelho, acoplado ao PABX, forma os deficientes para a função de telefonista, abrindo-lhes mais um flanco no mercado de trabalho.
     Na sessão de 5 de maio de 84 o presidente Waldo Pessoa anuncia a inauguração no mês de junho vindouro do Hospital da Sociedade, um dos objetivos mais desejados desde a sua fundação e que agora se materializa graças ao apoio decisivo do empresário Alberto Baquit. Na segunda parte deste livro, dedicada ao setor médico da SAC, vai contada a história desse hospital, sua importância àquela época e nos dias de hoje, e a contribuição de Alberto Baquit para a sua realização.
     Aos 42 anos de existência, a Sociedade de Assistência aos Cegos apresenta-se na plenitude de sua vitalidade, dando cumprimento ao programa traçado pelo idealismo de seus fundadores naqueles idos distantes de 1942.
     Aquela consciência coletiva anteriormente aludida se alastra, surgindo novas iniciativas dentro da idéia global de assistir os deficientes visuais e prevenir as doenças responsáveis pela cegueira. Merecem registro a decisão do secretário de Educação do Estado de então, Dr. Danísio Dalton da Mota Correia, criando o curso de oftalmologia sanitária no currículo oficial das professoras de pré-primário, e o presente da Receita Federal, destinando 15 mil quilos de papel para os alunos do Instituto utilizarem na escrita Braille.
     Outros convênios celebrados permitem a implantação de mais melhoramentos, novos cursos (de natação, por exemplo), de massagista, de educação física e outros, em cumprimento ao projeto de qualificação profissional dos deficientes.
     A sede ganha ampliação, com o aval da proprietária, a Legião Brasileira de Assistência, e os apoios acodem de toda parte. A Empresa Guararapes doa uma geladeira, o Grupo Edson Queiroz um fogão industrial, o cirurgião-dentista Armando Azevedo presenteia a Casa com um consultório dentário. Osiel Pinto deixa 15 mil cruzeiros de herança. A SAC, ao sopro generoso da comunidade cearense, navega com firmeza, e sempre almejando outras metas que possam contribuir para o bem-estar e para a afirmação social dos cegos, que recebem diplomas profissionais habilitando-os a disputar empregos no mercado. Despontam competentemente os telefonistas, os massagistas, os psicólogos, os professores, os técnicos em enrolamento de motores, no fabrico de objetos em madeira e em fibras.
     O trabalho honrado substitui a bacia do pedinte de mão estirada à caridade pública. O sonho de 42 parece definitivamente concretizado quatro décadas após.
     Os que visitam o Instituto levam dele uma imagem positiva, imagem que, aliás, projeta-se pelo País, conforme revela o já agora general Torres de Melo, dando o testemunho do que, em suas andanças como militar, ouviu a respeito do trabalho desenvolvido no Ceará em prol dos deficientes visuais e da prevenção da cegueira.
     Transcorre o cotidiano como o de uma associação consolidada. As sessões se destinam ao debate das questões administrativas, dentro daquele espírito democrático que a caracteriza desde os seus primeiros dias.
     A “Festa da Amizade”, promoção do Rotary Praia, por iniciativa do conselheiro e também rotariano José Romeu de Vasconcelos, rende 16 mil cruzeiros, que a SAC resolve reservar à implantação do Banco de Olhos, importância à qual se somam mais 5 mil cruzeiros da Secretaria de Ação Social do Estado.
     Nas assembléias eleitorais para a renovação dos vários conselhos, a recondução dos dirigentes é solicitada, seguindo-se aquele princípio de que “em time que está ganhando não se mexe”. Assim aconteceu na reunião de 15 de setembro de 1986, quando por proposta do conselheiro Jorge Otoch Sobrinho, secundada pela unanimidade dos presentes, o cel. José Bezerra de Arruda é mantido na presidência do Conselho Deliberativo e o Dr. Waldo Pessoa no cargo principal da Diretoria Executiva.

PERCALÇOS

     Nem tudo se desenvolve dentro do desejado, não obstante a sintonia dominante entre os idealistas que tocam o projeto assistencial ao deficiente visual no Ceará. Incompreensões tinham de ser superadas, ou enfrentadas com altivez, de modo a preservar o conceito da instituição, o que lhe assegurava o apoio de muitos organismos do tecido social da cidade. Em determinado momento, houve mesmo uma intriga através de emissora de rádio, detectando-se a presença nos bastidores de um insignificante número de cegos ambiciosos que entendiam ser a entidade uma casa de benemerência, mas exclusiva para seus interesses. Tudo devidamente esclarecido, o próprio apresentador do programa viria a tornar-se um admirador da obra realizada pela SAC, passando a propagar os diversificados empreendimentos em prol da casa dos destituídos da visão.
     Essas coisas, longe de afetar o prestígio e a respeitabilidade da Sociedade, fortalecem-na no seio da gente de nossa terra, o que se evidencia através de reiteradas demonstrações de apoio de pessoas e organizações que ainda não haviam despertado suas atenções para o projeto em pleno curso.
     O Banco Mercantil de Crédito, por exemplo, tomou a iniciativa de doar 1.000 camisas para alunos e funcionários, enquanto a firma Apiguana ofertava uma máquina de soldar para as oficinas profissionalizantes. Doações em dinheiro, partidas de humildes pessoas do povo e de alguns poucos abastados, sem falar na liberação de recursos públicos, como ocorreu com a Secretaria de Ação Social do Estado que acorreu com verbas para a introdução de melhoramento na sede, também chegavam com freqüência.
     A poupança em caderneta, permitida pelas doações, ensejava a coleta de valiosos juros, logo aplicados em muitas reformas: reparação do pátio interno, agora totalmente pavimentado para facilitar o deslocamento dos deficientes; uma área ajardinada, ampliação das dependências da escola, novos dormitórios para moças e rapazes, reforma total dos banheiros, enfim uma profunda transformação para melhor.
     Tocado por este surto de crescimento, o presidente Waldo Pessoa coloca em pauta mais um desafio aos dirigentes da SAC: a construção de um novo prédio para abrigar a escola, a biblioteca e outros setores, discordando dos que defendiam a reconstrução das edificações antigas, que, como constatado, se encontravam em precárias condições.
     Sonhar sempre alto dominava o espírito de todos. Waldo idealiza a implantação de dois outros Institutos de Cegos, um em Quixadá e outro em Sobral. Na primeira cidade, onde o prefeito diz não ter como ceder uma área de terra para a construção da sede, o próprio presidente Waldo, em sintonia com sua família, faz a promessa de entrega de um terreno para esse fim.
     Pela primeira vez, a Sociedade é incluída na proposta orçamentária do Estado, por iniciativa do secretário de Planejamento, economista Osmundo Rebouças, que informa haver destinado a quantia de CR$ 250.000,00, como verba anual de ajuda à entidade assistencial dos cegos. Enquanto isso, a Secretaria de Educação também libera CR$ 30.000,00 para contribuir com as amplas reformas em curso nas instalações da SAC.
     Mais uma perda a lamentar. Morre Dona Terezinha Joca, ex-diretora administrativa do Instituto dos Cegos. Outro rude golpe: a morte súbita, em São Paulo, de D. Ieda Otoch Baquit, esposa do nosso colaborador Alberto Baquit.
     D. Ieda era a devotada tesoureira, tendo substituído no cargo outro denodado cooperador, o Dr. José Romeu de Vasconcelos.
     Novos planos são traçados para alargar os horizontes da instituição, dando-lhe maior abrangência no campo médico-cirúrgico, no educacional e no esforço de qualificação profissional dos deficientes.
     Dentro desse clima de confiança e fé no amanhã, a Sociedade caminha na última década do Século XX, chegando ao seu cinqüentenário em 1992.
     Para adequar-se aos novos tempos e às suas novas dimensões, a Sociedade acolhe plano de reforma administrativo-burocrático elaborado pelo conselheiro José Mauro Dias Coelho, definindo as áreas de competência de cada diretoria. Às vésperas dos seus 50 anos, a SAC é uma entidade solidamente estruturada, Dona de inabalável conceito e com um programa de atividades da maior relevância dentro dos seus objetivos básicos.
     As finanças se equilibram, merecendo o Diretor Administrativo aplausos do Conselho Fiscal. Com as contas em ordem, é possível pensar na expansão do projeto.

MICROEMPRESAS

     Em 23 de março de 92, discute-se e aprova-se a aquisição de um terreno no Parque Tabapuá destinado a instalar duas microempresas, uma nova fábrica de vassouras e uma de pré-moldados, dentro do plano de atividades produtivas para grupos de cegos adultos.
     Verba de 20 milhões de cruzeiros é aprovada e reservada para execução de importante item programático.
     Fica bem esclarecido e decidido que os cegos aposentados por invalidez não serão incluídos nesse programa de atividades produtivas, porquanto seria um desvio de sua finalidade, qual seja a de educar o deficiente e dar-lhe qualificação profissional de modo a que possa prover o seu próprio sustento.
     Uma semana depois, os Conselhos voltam a reunir-se para novas deliberações, desta feita para extinguir o internato do Instituto, em obediência ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante ao menor adolescente o direito ao convívio familiar. A partir do ano vindouro, 1993, sob qualquer pretexto, o Instituto não albergará alunos deficientes.

JUBILEU DE OURO

     1942-1992: meio século decorrido. Lutas, atropelos, incompreensões, algumas tristezas pelo caminho. Mas a Sociedade de Assistência aos Cegos tem todo o direito de festejar com ufania o seu cinqüentenário. É uma instituição vitoriosa, que, olhando para seus primeiros dias, pode dizer que extrapolou as metas pretendidas.
     No ano do seu jubileu de ouro, a SAC acelera a sua dinâmica de trabalho, projetando a construção de novas dependências, a restauração de sua sede histórica (casarão da Bezerra de Menezes), a implantação de numerosos cursos profissionalizantes (datilografia para cegos, revelação fotográfica em câmara escura, comunicação oral, música (formação de grupos vocais e instrumentais, bem assim aulas individuais de acordeão, flauta e órgão), a implantação da sua Residência Médica, a consolidação do seu Banco de Olhos (100 transplantes realizados naquele ano), a construção de uma nova escola para 300 alunos nos seus diversos cursos (curricular, profissionalizante, de música, de esporte, etc). É uma agenda arrojada, moldada no estilo de ação daqueles idealistas que vêm conduzindo a entidade ao longo de décadas.
     Mas haveria um ponto alto, um item especial, para assinalar o Jubileu de Ouro. Seria a Campanha de Prevenção da Cegueira, através da qual, saindo das suas fronteiras, a SAC iria sacudir a comunidade advertindo-a para os mais diferentes meios de prevenir a perda da visão.
     Equipes da Sociedade, lideradas por médicos e enfermeiras, visitam a rede escolar, encontrando a mais franca receptividade. Fortaleza, e daqui para todo o território cearense, conscientiza-se de que é plenamente viável evitar a cegueira. As crianças são o universo visado, descobrindo-se, precocemente, diferentes casos de deficiências visuais a serem corrigidas pelos meios terapêuticos e cirúrgicos disponíveis na SAC.
     Dentro das comemorações do Jubileu, a diretoria assina convênio com o Shopping Aldeota a fim de promover, nas dependências daquele elegante centro comercial, uma outra campanha: “Aceitamos Usados” é o slogan sugestivo clamando pela doação de córneas para o Banco de Olhos do Ceará, que vive, por sinal, naquele 1992, o seu momento mais alto.
     Contratando novos professores para as mais variadas áreas de seu projeto educativo para deficientes, aprovando um plano piloto da futura e grandiosa escola, implantando mais cursos em seu esquema global de profissionalização, a Sociedade assinala com todo o brilhantismo os 50 anos de sua profícua existência.
     Para que tudo prossiga no mesmo ritmo, o general Torres de Melo, em sessão do dia 5 de abril de 1993, sugere a recondução dos presidentes dos Conselhos Deliberativo e Administrativo, agora, por força de mudanças estatutárias, para um quadriênio de mandato: 1993/1997. Sugestão aceita por unanimidade.
     À aproximação do fim do século, a Sociedade de Assistência aos Cegos vê com nitidez os dias que se avizinham e se prepara para esta fase de enfrentamento dos novos tempos. Ninguém dorme sobre as vitórias alcançadas; é imperioso manter a chama, a coragem, a audácia e a dignidade de um ideal tão belo como este que a anima.
     Vencer desafios sempre foi, desde os primeiros dias, a força propulsora dessa gente que se devotou ao sublime trabalho de libertação do cego. Mas para enfrentá-lo, além do apoio do povo, cuja confiança conquistara, e das bênçãos de Deus, impunha-se também uma estrutura organizacional à altura das metas ambicionadas.
     Mantendo os fundamentos filantrópicos básicos, a SAC ia se investindo de novos instrumentos para poder dar execução aos seus arrojados projetos. Em princípios de 1993, com cerca de 40 conselheiros presentes, aprovava normas indispensáveis à abrangência dos seus cometimentos planejados, que incluíam a criação de outros setores de atividades no setor médico, no educacional e no profis­sionalizante, sem falar da permanente preocupação de disponibilizar condições ao deficiente para adaptar-se psicologicamente à sociedade, a tal ponto que pudesse sentir o menos possível a obscuridade física de que se faz portador. Libertá-lo para o convívio social, fazê-lo sentir-se como é, porém um homem como outro, um ser dotado de uma alma, de um sentimento e de uma gama vasta de potencialidades.
     Nessa trilha, e na segurança permitida por seus timoneiros, a Sociedade implanta, em 1994, na Unidade de Proteção e Combate à Cegueira “Cel. José Bezerra de Arruda”, os setores de Estimulação Precoce, Estimulação Visual, Visão Subnormal, obtendo também resultados extraordinários na educação curricular que executa através do Instituto.
     Para esses novos e importantes segmentos, são contratadas médicas e pedagogas, que passam a desempenhar notável trabalho em favor de muitas crianças portadoras de diversos tipos de patologias da visão, enquanto, em outro vértice, passavam a ser assistidas criancinhas de 0 a 3 anos, deficientes e não carecedoras de estimulação precoce, explorando-se e instigando-se suas potencialidades pessoais.
     O âmbito do atendimento ampliara-se sensivelmente. Já dispondo a instituição de pessoal habilitado, foi determinado o aumento da carga horária do mesmo, permitindo-se, assim, a matrícula de um número mais avultado de pequenos assistidos.
     Os poderes outorgados à Diretoria com a reforma estatutária davam-lhe condições de adotar todas essas medidas, dentro do projeto global de educação, profissio­nalização e socialização do cego.
     Em plena fase de realizações, mais um golpe atinge a entidade: morre o Coronel José Bezerra de Arruda, outro notável colaborador da causa. Waldo Pessoa faz o seu necrológio, destacando algumas das muitas contribuições que o extinto dera à SAC. Em seu posto de presidente do Conselho Deliberativo, assume outra figura histórica da Casa, Dona Dirce Bonavides Borges.
     No relatório das atividades do ano anterior, observa-se que as obras e eventos denotavam a dinâmica da Sociedade naquela altura de sua existência. Dentre outros itens relevantes, citam-se nesse demonstrativo a informatização dos assistidos pela SAC nas diversas áreas de atuação; o lançamento de um Boletim Informativo, sob a direção de Dona Maria Josélia Almeida; os festejos assinalativos do Dia do Cego e do Dia do Oftalmologista, inclusive no interior do Estado, com apoio da LBA, agora sob a proficiente direção do Dr. Leorne Menescal Belém: a implantação de vários cursos profissionalizantes (empacotador, tapeceiro, artesão em bijuteria, telefonista, datilografia em negro), além da modernização da unidade de assistência odon­tológica e da reforma total do “casarão rosado” da Bezerra de Menezes, sua sede primitiva.
     Para dar idéia da grandeza do trabalho desenvolvido pela SAC naquele ano de 93, recorremos a alguns números: foram 24.474 consultas, 4.500 exames oftalmológicos especiais, 3.121 atendimentos médicos-cirúrgicos, 200 atendimentos psicológicos de alunos e de seus familiares.
     O atestado do sucesso obtido animava o grupo a pensar noutros projetos para o ano de 94, incluindo um dos mais expressivos de todos os tempos: a instalação e funcionamento da Imprensa Braille, cujo equipamento básico fora adquirido na Noruega e já navegava àquela altura rumo ao porto do Mucuripe. Da significação dessa nova unidade cuidaremos, em capítulo próprio, na segunda parte deste livro.
     A Secretaria Estadual de Educação, necessita para suas escolas o pessoal até então cedido ao Instituto dos Cegos e que atendia à área de educação curricular. A Diretoria, sem perda de tempo, consegue professoras junto ao Município para recompor o seu quadro, o que ensejou um melhor controle do ensino ministrado, afora outras vantagens. A SAC amparara sem qualquer abalo mais esse desafio. Às vésperas de alcançar 52 anos, é uma instituição solidamente enraizada, mantendo, de modo auto-sustentável, as unidades destinadas ao cumprimento de seus objetivos, a saber:
     Hospital Alberto Baquit Junior, Unidade Oftalmológica Ieda Otoch Baquit, Banco de Olhos do Ceará, Unidade de Prevenção e Combate à Cegueira, Instituto dos Cegos, Imprensa Braille e Unidade Odontológica.

A RESIDÊNCIA

     Entre os muitos êxitos obtidos naquele inesquecível ano de 94, um merece especial destaque: a autorização pelo Ministério de Educação de uma Residência Médica Oftalmológica, anexa ao Hospital Alberto Baquit Júnior. Este é, com certeza, um dos capítulos ruidosos da SAC em favor da oftalmologia no Ceará, contribuindo para a formação de muitos especialistas desde a sua implantação até nossos dias. Falaremos da Residência Médica noutra parte desta obra, mostrando o que já levou a efeito nos seis anos de seu funcionamento, já que foi efetivamente instalada no dia 12 de fevereiro de 1996.
     Paralelamente, objetivando a formação de pessoal próprio em diversas áreas, a Sociedade enfatizava o setor de Recursos Humanos, ministrando muitos cursos de especialização.

O GRANDE SALTO

     Abril de 96. A Sociedade de Assistência aos Cegos depara-se com o momento crucial para o seu grande salto de qualidade. Eleitos os seus novos Conselhos diretivos, com Dona Josélia Almeida conduzida à presidência da Diretoria Executiva, era chegada a hora da consolidação definitiva, da afirmação da entidade como a mais importante instituição não governamental dedicada ao combate à cegueira e à socialização do deficiente visual em todos os níveis, a fim de ensejar-lhe os meios à locomoção e ao exercício de atividades profissionais capazes de prover-lhe a subsistência.
     Num pronunciamento comovente, ao assumir a presidência, Dona Josélia recorda a figura ímpar do Dr. Hélio Góes, que, no seu leito de enfermo, confessara-lhe a esperança de que nas mãos de seus sucessores poderia a SAC dar prosseguimento à sua grandiosa obra filantrópica. Com o pensamento voltado para aquelas palavras do insigne patrono da Casa - disse a Presidente - era que assumia a grave incumbência de gerir os destinos da Sociedade naquele instante decisivo de sua trajetória.
     Há mais de 30 anos, na casa, praticamente em tempo integral, a atual Presidente devota-se à nobilitante proposta formulada em 1942 por Hélio Góes, Arquimedes Bruno e alguns outros audazes e generosos idealistas.
     Eis um sumário da história desta sexagenária e benemérita entidade. Sem favor, a SAC desponta no presente como um ponto referencial do trabalho de socialização do deficiente visual, do combate à cegueira, da assistência multidisciplinar a crianças portadoras de variadas patologias visuais, da profissionalização e da difusão dos ideais de solidariedade que são essenciais ao processo total de recuperação do cego.
     De todo esse vasto campo de ação da SAC iremos nos referir em detalhes nas páginas seguintes, mostrando através de fotos e de fatos o intinerário cumprido e os objetivos alcançados por esta instituição.
     Em 60 anos de extraordinários serviços prestados à comunidade cearense e brasileira, em particular ao universo de cegos recenseados, por sua iniciativa, no Estado do Ceará, a Sociedade de Assistência aos Cegos vislumbra confiantemente o porvir, convencidos os seus valorosos dirigentes de que há um longo caminho a percorrer e de que, pelo domínio das avançadas tecnologias e das maravilhas conquistadas pela Oftalmologia, quer terapêutica quer cirurgicamente, haverá sem dúvida um futuro literalmente luminoso para centenas de seres atingidos, ao nascer ou posteriormente, com a perda total ou parcial da visão.
     Lemos, e aqui transcrevemos, num dos excelentes boletins que a SAC faz divulgar sistematicamente, inclusive pela Internet, este texto: -
     “Por tudo que acabamos de relatar, demonstramos ser competentes em integrar a pessoa portadora de deficiência visual. Porém, buscamos na atualidade a transformação da visão compartimentalizada da deficiência, uma situação já resolvida pelo próprio cego, que se aceita como é. Centrar o enfoque no homem é o caminho mais curto para reverter a realidade da discriminação. Isto depende da solidariedade de todos nós. Este é o nosso maior desafio, porque a fraternidade é o maior investimento do homem”.
     Depois de tudo isso que aqui foi descrito, há por acaso quem possa duvidar de que este desafio também será superado?

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