SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS
60 ANOS
Ensinando a Ver o Mundo
Blanchard Girão
Páginas: 152-154


Volta para a capa do livro Sumário Página anterior Próxima página

PRIMEIROS PASSOS

     No marco inicial da escola deveria haver alguém para dar cumprimento a uma das principais metas previstas nos estatutos da SAC: educar o cego para redimi-lo da sua condição de inferioridade pela deficiência física. Esse alguém saiu do consultório de Hélio Góes, de quem era cliente, para se envolver definitivamente com o projeto educacional pretendido. Chamava-se José Esmeraldino de Vasconcelos, chegara há poucos anos de Sobral, trazendo irrevelado um admirável talento, que iria se denunciando a cada dia. Foi com ele que pôde ser montada, embrionariamente, a escolinha para cegos, hoje o nosso grande Instituto.
     Autodidata, concebeu alguns métodos empíricos, valendo-se da sua experiência pessoal para transmitir aos deficientes como ele os conhecimentos que sabia indispensáveis à sua elevação profissional e social.
     Percebendo as suas deficiências, Esmeraldino lutou e obteve meios para deslocar-se até o Rio de Janeiro, onde faria um curso de especialização pedagógica para cegos. Aprimorou, pois, aqueles valores inatos com os quais deu os primeiros passos do processo educativo dos cegos em nossa terra.
     Não era, todavia, tarefa para um só homem. Esmeraldino tratou de arrebanhar outros, também mais bem-dotados do que a maioria, para ajudá-lo. Foi assim que passaram a compor o reduzido quadro de professores da escola nascente os deficientes Augusto Abreu Ferreira e Artur Barros, trio que, logo em 1943, pôs em ação o plano dos fundadores da Sociedade de Assistência aos Cegos destinado a oferecer educação fundamental aos seus assistidos.
     Àquela altura, com sua capacidade de observação, Esmeraldino e seus devotados auxiliares - professores Abreu e Barros – foram selecionando os alunos que mais se evidenciavam nos estudos, lapidando-os para igualmente incorporá-los ao corpo docente. Dois irmãos deficientes de visão, Alfredo e Odete Pordeus Ventura, foram dos primeiros aproveitados. Já eram assim cinco os mestres dedicados ao trabalho, pedra angular dos objetivos da SAC.
     Ressalte-se que, numa delicada situação financeira, a entidade não podia remunerar seus professores, que tinham, em troca, abrigo e assistência no emblemático casarão da Avenida Bezerra de Menezes, já então mais do que uma instituição médica e filantrópica, também um espaço educacional da maior expressão, porquanto pioneira no Estado.
     Anos à frente, Esmeraldino e Abreu seriam, como foram, nomeados para o quadro de professores do Estado, já nos arrancos finais da década de 40, primórdios da seguinte. Estavam empregados, reconhecido o seu meritório empenho em oferecer formação educacional básica aos deficientes visuais cearenses.
     A escola tomava maiores proporções, matriculando maior número de alunos e já encaminhando alguns para a rede normal de ensino da cidade. Por essa época, acostou-se à SAC outro cego de bastante valor: José Alencar Bezerra, figura extremamente curiosa, oriundo do Piauí. Bezerra era uma atração à parte dentro do corpo escolar, ensinando canto, declamação, contando lendas folclóricas de sua terra e do Nordeste. Uma alegria.
     Não existia ainda uma mais apurada formação pedagógica, uma metodologia de ensino adequada ao universo especial do alunado. Mas os depoimentos dos que acompanharam aqueles primeiros tempos asseveram que o ensino era por demais exigido e o aproveitamento de elevado nível.
     Tanto assim que o renomado educador conterrâneo, professor Edílson Brasil Soárez, abriu as portas do já acreditado estabelecimento que dirigia – o Colégio 7 de Setembro – a crianças portadoras de cegueira. Era a primeira e destemida iniciativa nesse particular. Afinal, impunha-se acreditar na capacidade de um deficiente visual para acompanhar os demais integrantes normais de uma sala de aula. E o mais sério: sem equipamentos próprios àquele sistema de ensino.
     A coragem de Edílson Brasil Soárez foi decisiva para o ensino especial de cegos no Ceará. Outros estabelecimentos particulares e públicos seguiram o seu exemplo. Os deficientes já não se limitavam aos conhecimentos primários e podiam, através de exame de admissão, dar prosseguimento aos estudos. Liceu do Ceará, Escola Normal Justiniano de Serpa e diversos outros colégios particulares passariam a admitir o ingresso de estudantes cegos. Existem dados demonstrativos de que, no admissão – espécie de vestibular rigoroso para ingresso no curso médio – os cegos logravam costumeiramente destacadas colocações, algumas vezes até mesmo a primeira.
     O currículo adotado na escola orientada por Esmeraldino, diga-se de passagem, era o oficial, apenas os meios de ensino se diferenciavam do comum, com as regletes e os cubarítimos utilizados na leitura e no domínio das quatro operações.
     Mas as dificuldades, claro, superavam em muito as atuais. Livros, por exemplo, em Braille, tinham de vir de São Paulo, através da Fundação para o Livro do Cego do Brasil, ou do Instituto Benjamin Constant, do Rio de Janeiro.
     Durante certo tempo a Fundação Ford fazia a doação de regletes para as escolas brasileiras, inclusive para a nossa, que, por sua vez, repassava parte delas aos estabelecimentos que mantinham alunos cegos.
     Nada foi fácil na caminhada do Instituto ao longo destes 59 anos de existência, um a menos que a sua entidade máter, que percebia a certeza de que um dos seus principais objetivos seriam alcançados, como os tempos iniciais prometiam.

Volta para a capa do livro Sumário Página anterior Próxima página

Volta página principal

Maiores informações:

envie Mail para Webmaster da SAC